CEOs revelam em pesquisa interesse inusitado pela arquitetura, carreira que tem desafios análogos aos do mundo corporativo, mas sem as pressões do curto prazo que perseguem os empresários
Por Paulo Vieira para a revista PODER
Se não fizesse a carreira executiva que o levou a se tornar presidente da operação brasileira da gigante do agronegócio Cargill, o engenheiro Luiz Pretti gostaria de ter sido arquiteto. Da mesma forma, o também engenheiro João Paulo Ferreira, presidente da Natura, talvez abraçasse a arquitetura caso não houvesse avançado tantas casas no mundo corporativo. Outro engenheiro (pois é), Eduardo Musa, ex-fundador da empresa de mobilidade Yellow e hoje tocando uma family office, tem igualmente certo afeto pelas pranchetas. Estes e outros líderes empresariais brasileiros de diversos setores que se destacaram na edição deste ano da premiação Executivo de Valor, do influente jornal Valor Econômico, revelam um inusitado pendor pela arquitetura, muito mais do que por qualquer outra carreira. O que justifica o amor, quem sabe o fetiche, desses CEOs pela arquitetura? Para Pretti, da Cargill, “é uma profissão muito interessante, que tem o lado lógico com a matemática e o desenho, mas tem um lado de inteligência emocional, de entender o projeto e as necessidades do cliente, de interagir com a natureza”. A declaração de amor de Pretti é tardia. Em sua juventude, na hora de escolher a carreira acadêmica, a opção estava fora de pauta, já que seu pai o queria engenheiro, médico ou advogado. Eduardo Musa, que sempre “deu pitacos” nos projetos arquitetônicos de suas residências, vê paralelos na rotina do arquiteto com o mundo corporativo. “O problema do CEO é projetar, planejar, fazer acontecer. Na arquitetura também é assim, com a possível diferença de que o resultado é bastante visível.
No dia a dia do CEO há muitas incertezas, novidades, existe pressão por resultados de curto prazo. Já ao projetar uma casa, o arquiteto não pode pensar no curto prazo, a construção tem de durar”, disse Musa a PODER de Los Angeles, onde passa férias. Visto por esse ângulo, é pertinente ver no arquiteto uma figura talhada para a carreira executiva – embora sejam poucos os que de fato chegaram lá, caso de Marcelo Willer, que durante muito tempo foi CEO da construtora e incorporadora Alphaville, com grandes projetos urbanísticos em todas as regiões do país. O profissional, afinal, precisa conjugar vários interesses, raramente convergentes, e, a partir disso, executar. Para Alexandre Mirandez, arquiteto formado pela FAU-USP e hoje diretor de operações da construtora Athié Wohnrath, em seu dia a dia o arquiteto “tem o papel central na tomada de decisões”, conciliando visões de engenheiros de áreas como eletricidade, hidráulica e acústica. “É o cara que apresenta as premissas a ser confirmadas e detalhadas depois por especialistas”, diz. “O arquiteto compatibiliza essas múltiplas visões.” Mirandez foi protagonista na execução do Allianz Parque, o estádio do Palmeiras, quando ainda trabalhava para a Edo Rocha Arquitetura, e hoje, na principal obra que pilota para a Athié, responde pelo projeto da nova sede do centenário Colégio São Luís, no Ibirapuera, em São Paulo, em terreno de 15 mil metros quadrados com o dobro disso de área construída. Mirandez concorda com Eduardo Musa ao ver no CEO alguém que sofre “pressão por resultado”, que vive sob uma “métrica muito dura” e “precisa ser pragmático”. Por isso acredita que o executivo poderia encontrar na arquitetura uma válvula de escape. “É uma disciplina que está no campo da criatividade, que dá espaço para coisas mais emocionais, ainda que tenha um grande compromisso com a realidade”, diz.
Professor da FAU-USP, ex-vereador e ex-secretário de Cultura da cidade de São Paulo na gestão Fernando Haddad, o arquiteto Nabil Bonduki externa visão muito parecida. “Das profissões ditas criativas, a arquitetura é aquela mais vinculada à produção concreta. Tem esse charme da criatividade, mexe com arte, com as ciências humanas, mas também com as ciências exatas”, diz. “É multidisciplinar, e talvez tenha essa mensagem de ser uma atividade leve, especialmente para quem tem o dia a dia massacrante, como os CEOs.”
ENTUSIASMO
Pretti, da Cargill, é verdadeiro entusiasta da arquitetura. Tem uma lista de profissionais que admira que vai de Oscar Niemeyer ao baiano David Bastos, que “lê bem a natureza e as necessidades do cliente”; e de Isay Weinfeld (“fora de série”) a Paulo Lisboa, passando pelo decorador Dado Castello Branco. Para ele, as competências próprias da arquitetura seriam “perfeito” contraponto à vida executiva. “Ao procurar entender os movimentos, a dinâmica e as tendências da sociedade, o arquiteto leva seu trabalho muito próximo ao [campo] da arte. Como CEO preciso focar mais na entrega dos resultados. Na arquitetura, há o lado mais humano e a realização de escutar o cliente dizer que [tal projeto] era exatamente aquilo que ele queria.” Musa divide seus ídolos da arquitetura em dois grupos. Há os “à frente do tempo”, como o catalão Antoni Gaudí e o americano Frank Lloyd Wright, e os brasileiros inovadores como Gui Mattos, Marcos Tomanik e os sócios Paulo e Bernardo Jacobsen, pai e filho que uniram forças num mesmo escritório. Para o ex-fundador da Yellow, a assinatura do bom arquiteto é a “integração da obra ao ambiente e o uso racional de recursos”. Trata-se de bula distante de uma certa arquitetura monumentalista que vigeu no modernismo com Niemeyer e se mantém em voga com Ruy Ohtake e Santiago Calatrava, nomes facilmente lembrados quando se pensa na profissão. A arquitetura é, afinal, um balaio em que cabe gente de perfis muito diferentes. Com efeito, há nas faculdades de arquitetura uma quantidade variadíssima de cadeiras, como geometria descritiva, cálculo e cinema. Não deve ser por acaso que muitos estudantes que passaram pela mais famosa faculdade de arquitetura do Brasil, a FAU-USP, tenham virado fotógrafos, cineastas, artistas plásticos, jornalistas e até mesmo compositores do primeiríssimo time da MPB – ainda que, para isso, Chico Buarque tivesse de abandonar seu curso pela metade.