Quadrinista premiado no exterior, Marcello Quintanilha revê 30 anos de carreira em novo livro e fala sobre Tungstênio, seu primeiro thriller adaptado para o cinema
Da revista PODER
O niteroiense Marcello Quintanilha era, nos anos 1980, um leitor voraz de quadrinhos da Marvel e da DC Comics. Mas não eram os enredos de heróis e vilões o que mais chamava a atenção do menino. “Eu era muito mais interessado nos artistas do que propriamente nos personagens”, lembra Quintanilha, autodidata que se firmaria como um dos principais nomes dos quadrinhos no Brasil.
Ele é autor da premiada graphic novel Tungstênio, lançada em 2014 e agora adaptada para o cinema pelo diretor Heitor Dhalia, de O Cheiro do Ralo (2006). O filme aparece no momento em que o artista lança um panorama de 30 anos de carreira – que inclui sucessos como Talco de Vidro e Hinário Nacional – nas páginas de Todos os Santos (Veneta).
Quintanilha é reconhecido pelo traço e enredo realistas. Em lugar dos heróis e dos superpoderes, suas histórias revelam homens e mulheres na lida diária, em dramas muito palpáveis e cenários familiares. “Muitos casos são referenciados em pessoas que eu conheci, por situações que eu vivi ou que foram vividas por pessoas próximas”, diz o quadrinista, há mais de dez anos radicado em Barcelona. “Eu não me sinto distante de absolutamente nenhum personagem que eu tenha criado, em todas as suas qualidades e deficiências.”
Premiado no Festival de Angoulême, na França, Tungstênio é um thriller no qual se cruzam as histórias de quatro personagens – um policial e sua mulher em crise conjugal, um sargento reformado do Exército e um traficante. A trama se passa em Salvador, mas as gírias e os modos particulares não escondem aquilo que é universal no homem. “Não acredito na regionalidade como fator proibitivo ao entendimento da natureza humana. Acho que a humanidade dos personagens é a grande força da história.” O metal denso sugere a dureza da saga. “Tungstênio é uma metáfora sobre a forma como as pessoas são capazes de lidar com o metal do dia a dia, o metal que a vida as impõe.”
Artista inspirado pelo cinema, sobretudo pela escola neorrealista italiana, Quintanilha não hesitou quando ouviu o convite do amigo Heitor Dhalia. “Achei magnífica a proposta, e começamos a pensar no roteiro. Em uma semana já tínhamos o contrato assinado”, conta o autor, que escreveu a primeira versão do roteiro. “Não senti a necessidade de ser fiel [à HQ]. Fiz o máximo para trabalhar dentro dos parâmetros que o cinema impõe como linguagem.”
Considerados a nona arte, os quadrinhos são objeto de longa disputa conceitual. Afinal, a linguagem que articula desenho e texto em narrativa seria arte? A pergunta passa longe das preocupações de Quintanilha. “Foi um tema que jamais me interessou. Nunca estive preocupado com isso. Quadrinho, para mim, sempre foi uma forma de expressão.”