Coluna de Antonio Delfim Netto

1. O Governo e o Poder Legislativo brasileiros têm descuidado do interesse nacional permitindo que um estado soberano (a China) através de empresas governamentais compre ativos no Brasil. É intuitivo, a China não poderá realizar o sonho de alcançar em 2050 uma renda per capita em torno de 70.000 dólares de 2009 (medida em paridade de poder de compra), sem apropriar-se de novos recursos naturais pela compra ou contratos firmes de fornecimento com empresas privadas ou públicas a outros Estados Soberanos. A conta é simples: em 2050 a China terá 1,7 bilhões de habitantes. Com a renda per capita aludida ela teria um PIB (em dólares PPP-2009) da ordem de 120 trilhões, praticamente o dobro de todo o PIB mundial de 2009!

2. É notório que hoje ela já tem dificuldades para expandir a sua agricultura. Faltam-lhe solo e água. Tem muito carvão mas falta-lhe energia limpa, o que poderá remediar com a energia eólica, de biomassa e atômica. É rica em recursos naturais que se extinguirão num tempo inversamente proporcional à velocidade do seu crescimento. Para manter seu sonho ela precisa de outro Planeta!

3. É isso que explica o agressivo e aparentemente gentil neo-colonialismo chinês. Ela está comprando na África e na América Latina, que se alegram em vender-lhes ativos através de empresas estatais (o próprio Estado Soberano chinês) ou, então, receber financiamento para a exploração de recursos naturais não renováveis. Quando, por exemplo, uma empresa privada ou um cidadão vende uma reserva de minério de ferro (que às vezes recebeu de presente com uma “dica” de algum amigo no Governo) para uma estatal chinesa acontece uma troca inacreditável: faz-se um lucro que é apropriado privadamente e o Estado Soberano Brasileiro perde um pouco da sua própria soberania. Quando isso acontece entre dois entes privados, faz parte do “jogo”, ainda que deva ser tratado com especial cuidado fiscal. Não é, absolutamente, o caso quando o agente estrangeiro é um Estado Soberano. Em condição de estresse, isso pode ter grandes implicações para a livre execução da política econômica do Estado cedente pelo custo da eventual retaliação por parte do outro Estado Soberano.

4. A China é um Estado Soberano completamente controlado por um Partido onde os setores são coordenados verticalmente (minério de ferro, siderurgia e produção de bens de capital). Isso pode criar condições de competição mais difíceis no mercado internacional (e no seu próprio mercado interno) para o país que cedeu seus recursos. Os preços são objeto e instrumento da política de desenvolvimento executada pelo Partido. E um Partido que matou de fome 30 milhões de cidadãos (nos tempos do “Grande Timoneiro”) para testar uma “nova” política agrícola deve ser levado muito a sério.

5. Essas condições não espelham a menor manifestação de xenofobia. O investimento estrangeiro no setor mineral ou em qualquer outro deve continuar bem-vindo, desde que através de empresas autenticamente privadas, não sujeitas às manipulações integradoras de um poder soberano, o que, obviamente, não é o caso da China.

Por Antonio Delfim Netto

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