Coluna de Antonio Delfim Netto

1. Uma das mais graves conseqüências da crise produzida pela imoralidade ínsita do sistema financeiro internacional (que consumiu a riqueza real da sociedade e desempregou milhões de trabalhadores em todo o mundo), foi trazer de volta a idéia que o Estado-Produtor é necessário para atender ao bem público. Tal conclusão é equivocada. Em primeiro lugar porque a condição necessária (mas não suficiente) para a ocorrência da crise do sistema financeiro, foi construída pelo próprio Estado. A partir dos anos 80 do século passado o governo norte-americano desmontou, cuidadosa e cirurgicamente, os mecanismos de controle que haviam sido construídos nos anos 30 exatamente para impedir a repetição da tragédia de 1929! Em segundo lugar, porque a crise não foi produto das deficiências do Estado-Indutor (sem o qual nenhum país se desenvolve) que precisem ser “corrigidas” pelo Estado-Produtor (que atrasa o desenvolvimento de todos os países) e, muito menos, pelo mau funcionamento da chamada “economia de mercado” que produz bens e serviços de forma relativamente eficiente e é compatível com a liberdade individual.

2. O sistema financeiro, que deveria servir à produção, transformou-se em seu algós graças à ausência do Estado regulador. A situação se inverteu. O “financiamento” que deveria ser instrumental para a produção da economia real (do PIB e do emprego), transformou-se numa atividade especulativa: um fim em si mesmo! Quando entrou em colapso, arrastou a produção de bens e serviços e desempregou os trabalhadores do setor privado que estavam ganhando a vida honestamente! O fato do Estado ter de socorrê-lo (sem poder fazer o mesmo com o setor real) é uma simples contingência do processo. É ele que deve “garantir” a solidez do sistema financeiro e dar ao depositante ou investidor incauto, a “confiança” que seus recursos serão bem administrados, pois estão sob sua vigilância…

3. Não tenhamos ilusões. O que pejorativamente se chama de “capitalismo” é um processo, não é uma coisa. É uma organização que não sobrevive sem o suporte de um Estado constitucionalmente forte, amigável do setor privado, que dê garantia à propriedade privada e ao funcionamento dos “mercados”. Ele não foi inventado. É produto de uma seleção quase natural capaz de compatibilizar certa eficiência produtiva com a liberdade de escolha dos cidadãos. Não é produto da natureza humana. Não é perfeito. Não é eterno! De cada crise sai “melhor” do que entrou. O século XX é um cemitério de organizações “alternativas” que terminaram por sua ineficiência e pela incapacidade de dar a cada cidadão a liberdade de escolha. Um regime feroz como o chinês só conseguiu seu sucesso quando adotou metade do programa: uma economia de mercado selvagem, sem a plena liberdade de escolha!

4. A História mostra exemplos de combinação (por quanto tempo?) de um regime politicamente selvagem com um capitalismo selvagem. O que ele não mostra é a sobrevivência do capitalismo selvagem num regime politicamente civilizado…

Por Antonio Delfim Netto

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