1. Temos sempre insistido sobre a necessidade de dar moralidade à economia de mercado, cujo codinome é “capitalismo”. Este não é uma coisa. É um processo evolutivo de organização social que, extrai sua eficiência produtiva da enorme competição que estabelece entre os indivíduos. Essa eficiência foi reconhecida por Marx e Engels, no Manifesto Comunista de 1848. Para dar um exemplo físico: nos primeiros 17,5 séculos, dos 20 que nos separam do nascimento de Cristo, a “produtividade” do homem permaneceu praticamente constante. Nos últimos 250 anos, com os “mercados” (simultaneamente efeito e causa da Revolução Industrial) aquela produtividade foi multiplicada por 16!
2. Nos mesmos primeiros 17,5 séculos, a população mundial não chegou a triplicar, sempre aprisionada na armadilha malthusiana. Nos últimos 250 anos ela praticamente decuplicou! O fato mais notável é que nos países em que a organização econômica dos “mercados” foi sustentada adequadamente pela organização social que sempre a embebe, esse aumento da produtividade foi acompanhado por uma expansão dos direitos e da liberdade do homem.
3. A ligação histórica entre a eficiência dos mercados, a liberdade do homem e a possibilidade dele apropriar-se dos benefícios de sua atividade, não é fortuita. Elas caminharam juntas, protegidas por um Estado constitucionalmente organizado cujos governos são, periodicamente, escolhidos pelo sufrágio universal em eleições realizadas livremente.
4. Mas por que, então, esse sistema é fortemente criticado desde sempre (em particular por Marx e Engels, no mesmo Manifesto)? Primeiro, porque ele contém em si uma tendência a flutuar que estressa permanentemente o cidadão. Segundo, porque deixado a si mesmo (isto é, sem medidas corretivas do Estado) ele tende a aumentar a desigualdade entre os homens. Uma relativa igualdade é perseguida pelos homens desde que eles começaram a pensar sua situação no mundo, muito antes de Cristo…
5. Mas como obter sua moralidade? Sendo tremendamente competitivo, o cuidado maior deve ser com o ponto de partida da corrida. Todos têm que partir do mesmo ponto: têm de ter a mesma igualdade de oportunidade na saída. O resultado final será, certamente, diferente para cada um, produto da educação e da sorte. É a igualdade de oportunidade que dá conforto aos competidores e os leva a aceitar os resultados finais como “morais”.
6. É isso que impõe ao Estado a dura e delicada tarefa (porque ele não é onisciente) de calibrar a relativa igualdade de oportunidade (com políticas públicas redistributivas) sem sacrificar a eficiência produtiva. O “capitalismo” não pode sobreviver sem um Estado inteligente!
Antonio Delfim Netto