Por Anderson Antunes para a revista PODER
Na Grécia antiga dos mitos, Pluto, um dos filhos da deusa da colheita Deméter e do herói Iasião, era o deus da riqueza, tido desde cedo como a “criança divina” segundo os preceitos dos mistérios eleusinos. Concebido em Creta, dispunha de um poder que lhe permitia viajar sobre a terra e o mar e, caridoso, tornava ricos todos aqueles que o encontravam nessas aventuras. A história de Pluto é descrita em Les Dieux Grecs. Généalogies (Os Deuses Gregos. Genealogia), uma bíblia de 511 páginas sobre o panteão grego publicada, em 1994, na França por Françoise Bettencourt Meyers, a mulher mais rica do mundo com um patrimônio de US$ 52,4 bilhões. E a própria história de vida da bilionária francesa de 65 anos, que prefere ser chamada de escritora, lembra em muitos momentos aquela do personagem mítico que inspirou até mesmo a criação de um sistema político – a plutocracia – no qual o poder dos governantes sobre os governados é exercido desde o topo da pirâmide onde se encontram os mais ricos. “Aide-toi et le ciel t’aidera”, diriam os franceses, algo como “ajudem-se entre si e os céus lhes ajudarão”.
Mas apesar das coincidências de origem, a realidade vivida por Françoise nos últimos anos lembra mais um novelão mexicano do que um clássico sobre as divindades helênicas de outrora. Única filha do político francês André Bettencourt e de Liliane Bettencourt, a nonagenária bilionária e socialite, morta em setembro de 2017, cujo pai, Eugène Schueller, fundou a L’Oréal há 109 anos, Françoise herdou da mãe cerca de 30% do capital da gigante dos cosméticos, além de uma fatia minoritária da Nestlé e de aplicações financeiras que por si só lhe garantiriam uma entrada no clube dos dez dígitos – algo em torno de US$ 5 bilhões em ativos líquidos. A fortuna familiar inclui ainda muitas barras de ouro e joias das mais caras devidamente guardadas em cofres espalhados por toda a Europa. Uma das poucas testemunhas que tiveram a chance de conferir de perto um pouquinho do tesouro usou de metáforas fluviais para descrever o que viu. “Havia rios e mais rios de pedras preciosas e um verdadeiro Sena de diamantes”, contou um banqueiro ouvido em anonimato pela Paris Match, em reportagem publicada em 2010.
Na época, mãe e herdeira travavam uma batalha pública que passou a ser chamada de “affaire Bettencourt” nas altas rodas de Paris, expressão imediatamente copiada pela grande mídia francesa. O motivo da discórdia entre as duas era a sintonia fina demais da primeira com o fotógrafo François-Marie Banier, um bon-vivant típico que conviveu com Salvador Dalí e se gabava de dizer aos mais próximos que seu companheiro de drinques no Café de la Paix durante boa parte do fim dos anos 1990 foi ninguém menos que Johnny Depp, então bad boy de Hollywood. Consta que Liliane viu em Banier aquilo que jamais identificou em sua cria: de personalidade esfuziante, ele a acompanhava em noitadas regadas a muito champanhe Dom Pérignon e em desfiles de moda, jantares e todos os tipos de eventos pensados sob medida para os mortais que amam serem vistos e bajulados.
Teria sido só mais uma amizade platônica entre uma ricaça entediada e um “profiteur” qualquer, não fosse pela lista de presentes que a vítima deu sem pestanejar para o aproveitador em questão, e que inclui desde apólices de seguro de vida multimilionárias a quadros caríssimos de Picasso, Matisse, Mondrian, Delaunay e Léger, passando por fotografias surrealistas registradas por Man Ray e dinheiro. Muito dinheiro. O valor total dos mimos chegou a 1,3 bilhão de euros e Banier logo foi acusado de abuso de incapaz por Françoise, que o processou. Nos autos da ação aparece até que, em determinado momento, Liliane, já na altura dos 88 anos, cogitou deixar todos os seus bilhões para ele, que, em depoimento, se limitou a repetir o mantra publicitário usado pela L’Oréal em suas campanhas: “Ganhei tudo isso porque mereço”. No fim, o caso terminou em acordo, e Banier só não foi parar no xilindró porque aceitou devolver a maior parte do que recebeu da bilionária. Esta, por sua vez, chamou Françoise em uma das poucas entrevistas televisionadas que deu na vida de “pessoa totalmente sem graça, que age por ciúmes e inveja de alguém que tem tudo que gostaria de ter”. A partir daí a relação das duas, que já era fria, desandou de vez. Liliane nunca perdoou o fato de a filha ter tentado lhe obrigar judicialmente a fazer um exame de sanidade (eventualmente, foi diagnosticada com demência e mal de Alzheimer. Vale um parêntese: o tal do affaire Bettencourt teve um roteiro rico que rendeu várias outras polêmicas, inclusive uma envolvendo envelopes recheados de euros que Liliane mandava entregar nas casas de políticos como o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, então morador do Palácio do Eliseu e mais tarde inocentado de qualquer mal feito.)
Françoise, por sua vez, voltou à reclusão e, com a fortuna garantida e administrada por quem realmente entende do assunto, continuou se dedicando ao hobby de estudar as civilizações antigas. Além do livro sobre os deuses gregos, ela também é autora de uma compilação sobre a Bíblia (Regard sur la Bible, em cinco volumes), publicada em 2008, e prepara mais um trabalho centrado em figuras históricas do mundo religioso. Já o título de mulher mais rica do mundo veio no começo do mês passado, graças à excelente performance da L’Oréal na Bolsa de Paris em razão da revelação do faturamento e lucro registrados em 2018, bem maiores do que os esperados pelos analistas.
A empresa, diga-se, nunca chegou a ser abalada pelos imbróglios vividos por seus acionistas controladores e continua firme e forte reinando absoluta no olimpo das grandes marcas de beleza.
Elas também “suaram” por seus bilhões:
Margarita Louis-Dreyfus – Acionista majoritária do maior player mundial das commodities, o conglomerado francês Louis-Dreyfus. Nascida em São Petersburgo, ela vendia equipamentos industriais até conhecer Robert Louis-Dreyfus, em 1988, durante um voo de Zurique para Londres. Os dois se casaram e ficaram juntos até a morte do empresário, em 2009. Louis-Dreyfus deixou o que tinha para Margarita, algo estimado em US$ 5,8 bilhões.
MacKenzie Bezos – Ex-mulher de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo. O fundador da Amazon e sua esposa por 25 anos decidiram pelo fim da união amigavelmente. Mas como subiram ao altar sem assinar qualquer tipo de acordo pré-nupcial, e fizeram isso em Washington, um dos estados dos EUA que garante por lei a partilha de bens, MacKenzie ficou com US$ 35 bilhões em ações, equivalente a 4% da Amazon.
Gina Rinehart – Mais rica da Austrália, ela é filha única de Lang Hancock, que morreu em 1992 e deixou um império no setor de minérios e muitas dívidas. Gina colocou a casa em ordem e chegou a se tornar a mulher mais rica do mundo em 2012. Hoje com US$ 15 bilhões e dona de um temperamento forte que já lhe rendeu apelidos como “Monstra do Ferro”, ela enfrenta uma batalha judicial contra dois de seus filhos, que a acusam de não dividir a fortuna.