Muito bem nos próprios sapatos aos 63 anos, Amyr Klink se prepara para levar turistas pela primeira vez à Antártida no fim deste ano – de navio, sem epopeias arriscadas, bien sûr – e explica que Deus não tem tempo para se preocupar com a segurança de quem se mete em travessias marítimas por livre e espontânea vontade.
Por Fábio Dutra para a revista PODER / Fotos Maurício Nahas
“Aqui não tem Deus”, Amyr Klink costuma dizer a seus tripulantes profissionais (ele não leva amadores por medo de que algum convidado se machuque durante as malucas rotas que percorre de barco mundo afora). E a explicação é saborosíssima: para esse filho de uma sueca e de um libanês criado em Paraty, eles são homens adultos que se colocaram naquela situação de risco por livre e espontânea vontade, de modo que devem sair de qualquer enrascada pela própria capacidade. “Com tantos problemas no mundo, Deus tem mais o que fazer do que se preocupar com aventureiros navegando por iniciativa própria em mares perigosos”, resume.
A experiência no mar é bem vasta: desde a primeira epopeia, uma travessia atlântica solo a remo da Namíbia ao Brasil em 1984, até as viagens de navio em que levará tripulantes pagos para a Antártida pela primeira vez em pequenos navios noruegueses a partir do fim de 2019, foram centenas de roteiros mundo afora. Mas não lhe rendeu exatamente um fervor religioso (ele tem alguma restrição às religiões por conta das guerras na terra natal do pai, que o indignam “por uns quererem vender sua fé para o outro à força”), mesmo com todos os apuros que passou por aí. O grande ensinamento que ele tira dessas experiências, no entanto, tem um quê de espiritual: “Um barco é uma unidade independente em que você precisa fazer tudo, até gerar energia, e a gente percebe a quantidade de provedores que a gente tem e nem lembra – e o quanto provemos para os outros também”, diz, satisfeito com a noção de comunidade que aplica no dia a dia. Ele emprega nada menos do que 800 pessoas, a maioria em Paraty, “e todos ganham mais do que um gerente de banco comercial”, diz, orgulhoso de pagar bem a seus provedores diretos.
O economista, formado pela USP, mais parece um engenheiro: olha todos os detalhes do mobiliário do fotógrafo Maurício Nahas, atentando-se às minúcias da montagem. Explica que tem uma marcenaria na qual inventa coisas à noite. Ele também projeta barcos, que confia a armadores do sul do país – todos os anos ele busca duas embarcações para revender em Paraty, na Marina do Engenho. Ali, inclusive, tem uma gigantesca geodésica de Fuller, outro de seus hobbies (geodésicas são esferas perfeitas construídas a partir de retângulos áureos; as dele são feitas de alumínio e se parecem com a famosa grande bola do parque Epcot Center, no Walt Disney World). Mas de ser fotografado ele não gosta, como deixa claro desde o início, mesmo que esteja acostumado por ser casado com uma profissional dos cliques, Marina Bandeira. Gosta do resultado, belos retratos com itens de decoração que coleciona em seu escritório paulistano, todos remetendo ao mar, claro. A paixão pela água é tamanha que agora ele pretende construir também casas populares flutuantes (sustentáveis e mais em conta que as terrestres, que arrasam o terreno). Ele deixa mais um ensinamento antes de ir embora: “O que eu mais gosto no barco é que ele afunda, então ali só tem deveres: se tem água dentro do barco, você não pode dormir, comer, nada, até resolver o problema”. Nota pessoal: quando eu era um pequeno e voraz leitor, costumava achar que Amyr Klink era um super-herói. Depois de entrevistá-lo, tenho certeza.