A Bola da Vez

João Grandino Rodas: por que a gestão é a mais polêmica da história da USP

Por Ana Krepp
Em uma portaria em frente à praça do Relógio está a reitoria da Universidade de São Paulo (USP). Passando por ela, há um corredor que dá para uma sala em que são expostos troféus e medalhas conquistadas pela universidade. Ao fundo, uma porta de vidro que leva a um gabinete com passagem para um pequeno refeitório para, enfim, chegar à sala do reitor João Grandino Rodas, 66 anos. É a partir dali que ele comanda a maior instituição pública de ensino superior do Brasil, com 11 campi e 90 mil alunos, sendo 50 mil na Cidade Universitária, no Butantã, em São Paulo, e um orçamento de R$ 3,7 bilhões. E faz  uma das gestões mais polêmicas da história da USP. Na hora das fotos, o fotógrafo da PODER insiste em levá-lo para o lado de fora do prédio. Rodas titubeia, não tem certeza se aceita ou nega, mas caminha em direção à porta de vidro conforme as indicações do fotógrafo. Ele olha para a assessora, que, à beira do desespero, proíbe as fotos ao ar livre. “Você já bateu muitas fotos, acho que já está bom. Além do mais o professor tem uma reunião exatamente agora.”
Com pouco mais de dois anos de mandato, o desembargador aposentado João Grandino Rodas é intensamente criticado por impor um exacerbado culto à ordem, pela criminalização de movimentos sociais, por colocar a polícia dentro do campus no Butantã e processar professores e alunos, chegando a expulsar alguns deles.  Dentro dos muros da academia, ele tem um modelo de gestão que é tratado como ilegítimo pelos seus desafetos. Articulado e educado, Rodas respondeu a todas as perguntas sem alterar o tom de voz. Sobre sua baixa popularidade na USP: “A rejeição é pequena. É um pequeno grupo muito bem estruturado que aparece bastante na mídia. Se a rejeição fosse tão grande eu não estaria aqui”. Pode não ser tão grande, mas já ultrapassou os muros da universidade. Uma das 29 redações escolhidas pela Fuvest como as melhores trazia em negrito “Fora Rodas, fora PM”. O que Rodas achou disso? “Folclórico.” E mudou de assunto.

Ter colocado a Polícia Militar dentro da USP, aliás, é considerado o mais polêmico dos atos de Rodas. Isso ocorreu  após o assassinato do estudante Felipe Ramos de Paiva, que foi baleado na cabeça, no estacionamento da faculdade de economia da USP, em maio do ano passado. “Eu não decidi sozinho. A decisão foi tomada pelo Conselho Gestor do Campus”, diz ele. “A Cidade Universitária não é uma República de San Marino, mas uma parte do Brasil onde a PM pode entrar e até esse aspecto passou por pesquisas que dizem que a grande maioria apoia.” Segundo Rodas, a ideia é que seja uma polícia comunitária, preparada para lidar com os estudantes. Não foi isso que ocorreu  em outubro do ano passado, quando a PM prendeu três alunos que estavam fumando maconha. A reação dos estudantes culminou na ocupação da reitoria no dia 2 de novembro passado. Seis dias depois eles foram retirados pela Polícia Militar. A ordem de reintegração de posse foi dada pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, que já havia conduzido uma audiência extraordinária de conciliação. Como os alunos não saíram da reitoria no prazo que havia sido acertado na conciliação, a juíza autorizou a entrada da PM.

Foram dias de tensão para Rodas. “Há 25 anos, acontecem movimentos contra os reitores da USP. Eu sou a bola da vez”, diz. A gestão de Suely Vilela, sua antecessora, foi marcada por duas invasões à reitoria por parte de alunos e funcionários, em 2007 e 2009, além da campanha “Fora Suely”. Em 2000, o movimento de professores, funcionários e alunos da USP durou 52 dias. A reitoria foi interditada e o reitor Jacques Marcovitch dormiu no sofá porque não conseguiu sair do prédio. Para uma parte dos estudantes da USP, Rodas começou sua gestão com o pé errado (seja o esquerdo ou o direito), já que era o segundo colocado da lista tríplice formulada pelo colégio eleitoral da instituição e mesmo assim o escolhido pelo governador José Serra. Foi a primeira vez em 28 anos que o governador não seguiu a ordem dos mais votados pela USP.

O professor Francisco Miraglia Neto, que concorreu com Rodas na última eleição para reitor, discorda da maneira “antidemocrática e desmoralizada” com que a escolha final sucedeu.  “A USP tem um dos estatutos mais retrógrados e menos republicanos do Brasil, essencialmente o mesmo imposto pela ditadura militar”, afirma Miraglia Neto.  Embora legítima e legal, a decisão de Serra arranhou a imagem de Rodas logo na partida. Some-se a isso a expulsão de seis alunos em dezembro do ano passado. Eles haviam ocupado o prédio da Coordenadoria de Assistência Social em 2010. “Eles não apenas invadiram como destruíram tudo, inclusive documentos importantes da área de assistência social”, afirma Rodas.

Jéssica Trinca estava no terceiro ano do curso de letras quando foi informada que a USP a estava processando administrativamente por apoiar a proposta de ocupação de uma antiga moradia estudantil que havia sido desativada para servir como escritório a um departamento da reitoria. Meses depois, foi presa pela PM por estar na companhia de amigos que ocupavam a reitoria e, em seguida, expulsa da universidade. “Ele [o reitor] recebia relatórios dos porteiros por um sistema de vigilância e monitoramento da vida política e moral dos moradores do Crusp, quando participei de uma assembleia e me coloquei a favor de uma ocupação do térreo do bloco G do prédio, meu nome foi incluído nesse relatório que a reitoria usou para argumentar as expulsões. No meu processo o reitor diz que fui eliminada da universidade por não apresentar provas de que sou inocente e, logo, sou culpada.”
Certo de que oferece espaço suficiente para o diálogo dentro da comunidade uspiana, ele credita a pequenos grupos ligados a partidos radicais o ranço que faz com que alunos e professores não aceitem os convites da reitoria para encontros sociais. “Os grupos não aceitam meus convites porque senão os outros pensarão que eles foram ‘cooptados pelo reitor’. Conheço perfeitamente todos os aspectos da USP por ter vivido nela durante os últimos 47 anos e entendo que eles tenham arrumado um foco para demonizar.”

Mas Rodas não é só malfalado dentro da universidade. Existem grupos a favor de sua gestão. Esse é o caso da chapa Reação que concorreu, ano passado, ao Grêmio Estudantil. O estudante do último ano do curso de matemática Carlos Lombizani criou a página Rota na USP e se enche de orgulho ao constatar que em menos de dois dias a página recebeu mais de 400 “curtir” na rede social. Ele afirma que a gestão Rodas promoveu melhorias na segurança e no sistema circular de ônibus da universidade. “Não vejo razão para me rebelar contra o reitor. Pelo que me consta, seus detratores, que são em sua maioria esquerdistas, o acusam de ter sido nomeado por motivações políticas, mas eles próprios lhe fazem oposição por motivos políticos e são movidos por legendas partidárias.”

Enquanto lida com as questões político-estudantis, Rodas faz mudanças na universidade. Ainda neste ano, o campus do Butantã recebe um novo sistema de iluminação, que terá acompanhamento on-line. “A USP estava parada há mais de 40 anos. Não se fazia obras e sim puxadinhos”, diz. Novas construções vão substituir os 18 barracões (criados nos anos 60 para abrigar faculdades que foram transferidas do centro da cidade) que estavam caindo aos pedaços. E a Assembleia Legislativa acaba de aprovar 2.655 novos cargos docentes para a USP. “Um pleito que começou há dois anos quando levei o projeto ao governador.” Rodas implementou um plano de carreira na USP. “Não houve uma greve no ano passado.” Além disso, a partir deste ano os estudantes de graduação terão acesso a mil bolsas de estudos no exterior.
Workaholic, Rodas trabalha uma média de 12 horas por dia. Para relaxar costuma tocar piano. Ele é formado em música, além de direito, educação e letras. Sempre que questionado, nega ser membro da Opus Dei. Rodas perdeu seu único filho, Omar, aos 16 anos, que faleceu nos Estados Unidos onde estudava. Alguns anos depois, sua esposa, Danuza Fontana, também faleceu. Desde que ficou viúvo, Rodas vive com a mãe, Josefina, de 87 anos.

As polêmicas de Rodas

• Foi o segundo candidato mais votado de uma lista tríplice e acabou sendo escolhido pelo então governador José Serra
• O imbróglio em torno do batismo de duas novas salas com o nome de Pinheiro Neto e Pedro Conde, que fizeram doação de R$ 1 milhão cada um à faculdade de Direito do Largo São Francisco
• Transferência das bibliotecas dos dez departamentos da São Francisco para um prédio vizinho
• Foi declarado persona non
grata na Faculdade de Direito do Largo São Francisco
• Chamou a PM para retirar os alunos que invadiram a reitoria da USP, em novembro de 2011
• Fez uma parceria com a Polícia Militar para cuidar da segurança da USP
• Chamou a PM para conter atos dos estudantes do Largo São Francisco, quando era o diretor da faculdade

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