Os artistas Júlia Rocha e Gustavo Galo descobrem o vocabulário da floresta e criam um espaço de troca com poetas

Créditos: Guto Nogueira, Adelita Ahmad e Tom Butcher Cury

Numa determinada manhã, o músico Gustavo Galo e a artista Júlia Rocha acordaram com uma “guerra entre tucanos e passarinhos”. Os bichos estavam em disputa pela primeira colheita de bananas do casal, que está desde outubro na Serra da Mantiqueira, quando conseguiu concretizar o desejo de viver próximo à natureza. O ambiente não é tão distante do apartamento onde viviam em São Paulo, no qual quarto, sala e cozinha conviviam sem separação, mas as portas de vidro da casa nova, com vista para toda sorte de verde, trouxeram outro tipo de experiência. “A diferença é esse espaço vivo, onde a todo momento está acontecendo alguma coisa, com pássaros que chegam toda hora”, comenta Galo. “A gente começou a desacelerar e a pensar nos trabalhos a partir daqui.”

Créditos: Guto Nogueira, Adelita Ahmad e Tom Butcher Cury

Foi lá que criaram, por exemplo, o site Mataviva, um espaço de conversa com poetas que estão deslocados da experiência urbana e experimentam a proximidade com a mata, os bichos, as plantas, as pedras e os rios. Um depoimento do autor Leonardo Fróes, editado por eles, sobre a escala das pinturas orientais, nas quais as figuras humanas aparecem pequenas diante da natureza, resume bem a adaptação: “Meu olhar está se acostumando com essa imensidão. A gente tira um pouco da nossa importância e entra no movimento das coisas”, explica o músico.

No meio de uma rotina de trabalho que continua a distância, na qual Galo mantém a troca com sua banda, a Trupe Chá de Boldo, e Júlia segue nas experimentações com coletivos de dança, eles vêm se adaptando a um vocabulário novo, descobrindo espécies como os margaridões, plantas de caules finos que chegam a dois metros de altura e receberam os dois logo na mudança, dando a impressão de que estavam em uma pintura de Van Gogh. “Quando cheguei, via aquela massa verde, mas agora o que vejo é o guapuruvu, a quaresmeira, o mamoeiro. O olho vai ganhando mais camadas de percepção”, diz Júlia.

Outro aprendizado é a relação com o tempo. Do tempo de plantar, que conta com as dicas do vizinho Benedito, ao tempo de espera do mercado, que entrega a depender das condições da estrada, ou mesmo o tempo de sol, quando Galo e Júlia chegam a adiar compromissos para tomar banho no rio. Essas possibilidades, impensáveis antes, são questionadas cada vez que precisam voltar a São Paulo. “Como a gente vivia assim antes?”, eles se perguntam.

Créditos: Guto Nogueira, Adelita Ahmad e Tom Butcher Cury
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