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Linguagem Neutra
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Se você não estava em Marte nos últimos meses, com certeza se deparou com alguma discussão sobre linguagem neutra. Seja nas redes sociais, nos sites de notícia, jornais, televisão e até mesmo no âmbito legislativo, o assunto virou pauta e tema para debates acalorados entre os que defendem e aqueles que são contra. Mas, afinal, o que é uma linguagem não-binária?

Com o objetivo de incluir homens, mulheres e pessoas não-binárias, a linguagem neutra propõe o uso das grafias “x”, “@” ou “e” em substantivos para neutralizar o gênero gramatical. O “e” é a primeira experimentação pronunciável e vem conquistando falantes, uma vez que “todes”, por exemplo, já é considerada uma palavra popular. Para os pronomes pessoais, a proposta do uso do “elu” também está ganhando seus adeptos.

Entre aqueles que defendem a adoção da linguagem neutra, o argumento da inclusão e o questionamento da inegável estrutura patriarcal, na qual a língua portuguesa foi construída, são latentes. Por outro lado, quem se opõe, alega que a linguagem não-binária é uma imposição que passa a mensagem de que “homem” e “mulher” são categorias subjetivas construídas culturalmente, o que eles não acreditam. Além disso, argumentam que apesar de se vender como inclusiva, ela exclui cegos, surdos e disléxicos que fazem uso de sistemas de leitura automática que seguem as atuais regras gramaticais.

“As pessoas que defendem isso são capacitistas. ‘Não pode mudar a língua porque existem pessoas com necessidades especiais’. Primeiro, não existe necessidade especial, toda necessidade é especial. O que existe são pessoas com deficiências e elas as têm porque os meios as excluem, mas elas são tão capazes quanto qualquer pessoa. Do mesmo jeito que qualquer um pode entender que ‘estudante’ está no neutro, ‘menine’ também está. Argumentar isso é olhar para essas pessoas como incapazes de entender, isso é absurdo”, pontua a arte-educadora e drag queen Rita von Hunty.

Outro ponto muito levantado são as implicações gramaticais do uso da linguagem neutra, principalmente na concordância. “A gramática serve para organizar e estruturar a língua, mas ela é nossa, é o nosso jeito de se expressar. Por isso, acredito que temos que incluir a gramática. Os profissionais que estudam etimologia e linguística vão ter que começar a pensar como essa nova demanda da sociedade vai transformar a língua. Dentro das universidades, esse movimento já está acontecendo”, explica Cynthia Pichini, professora da Universidade São Judas e doutoranda em educação. “Acredito que a linguagem neutra pode vir a ser uma nova regra ortográfica, mas para chegarmos nisso precisamos debater e pensar o assunto”.

“A gramática serve para organizar e estruturar a língua, mas ela é nossa”

Cynthia Pichini, professora da Universidade São Judas e doutoranda em educação

Autor de best-sellers, jornalista e publicitário, André Carvalhal escreveu seu livro mais recente “Como salvar o futuro”, de 2020, usando a linguagem não-binária. Ao GLMRM, ele falou: “Acredito que a língua é viva e acompanha movimentos do mundo, os nossos comportamentos e é um reflexo das pessoas, de um povo. A questão da linguagem neutra é uma demanda que tem surgido com diversos movimentos que visam questionar a forma como a sociedade foi construída, o papel da linguagem nela e o papel da generalização do masculino. Junto disso está o movimento da gente repensar e rever os modelos de comportamento e interação, o papel do homem, da mulher e até mesmo o binarismo, o entendimento de que existem outras camadas e subjetividades”.

Linguagem neutra nas escolas?

Se o assunto é por si só polêmico, há de se imaginar que quando misturado com o tema educação infantil o buraco fica mais embaixo. “Como arte-educadora, acredito que crianças em idade de alfabetização devem ser ensinadas sobre a língua. Devemos pensar sobre qual é o tipo de educação que a gente quer para as crianças. Uma educação emancipatória ou que cria tabus? Eu quero uma educação que possa falar sobre tudo e que crie crianças para lidar com tudo. O mundo é diverso, polêmico e rico. Quero uma educação que possibilite crianças a lidarem com um mundo diverso que vai se apresentar para elas”, diz Rita von Hunty.

“O mundo é diverso, polêmico e rico. Quero uma educação emancipatória que crie crianças para lidar com o mundo”

Rita von Hunty, arte-educadora e drag queen

“Percebo que não são todos os professores que estão abertos a isso, temos aqueles mais resistentes, mais tradicionais e que acham que a língua e a gramática devem ficar no ‘guarda-roupas’. E tem o preconceito, é claro. Acho que devemos estar abertos para as mudanças. É uma questão de tempo para que a linguagem não-binária seja incorporada às normas ortográficas”, adianta a professora Cynthia.

O que diz a legislação?

O uso do gênero neutro na língua portuguesa é tema de projeto de leis em 19 estados brasileiros e no Distrito Federal, de acordo com levantamento feito pela Agência Diadorim. No total, 34 propostas têm como objetivo impedir a variação gramatical para além do gênero feminino e masculino. A primeira lei aprovada foi em Rondônia, assinada pelo governador Marcos Rocha (PSL). No entanto, a norma, que proibia expressamente a aplicação da linguagem na grade curricular e no material didático de instituições de ensino do estado, foi suspendida, em novembro do ano passado, pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Acho que existe uma falta de compreensão sobre essa questão. Trata-se de um movimento do comportamento das pessoas, de uma demanda da cultura. Existe um conservadorismo muito grande de algumas pessoas que são contra, assim como falta de informação e intenção de manter essa lógica binária”, reflete Carvalhal.

“Existe uma intenção por trás desse conservadorismo todo que quer manter essa lógica binária”

André Carvalhal, autor de best-sellers, publicitário e jornalista

“Tudo o que acontece no campo da cultura é polêmico. Conservadores e reacionários se veem encurralados por todos os lados. Por serem puristas, eugenistas da língua, acham que ela está sendo assassinada. Isso não existe. Toda língua se transforma, muda no tempo e reflete essas disputas. E eles estão desesperados para não perder, mas estão perdendo. À medida que os Estados Unidos, por exemplo, começam a ter em seus aeroportos opções para que as pessoas preencham seus documentos com gênero neutro, eles já estão perdendo. À medida que as centralidades dos sistemas começam a achar absurda a ideia de que você precisa se definir como um homem ou mulher, essa luta já está perdida”, finaliza Rita.

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