Com pouco mais de um ano de existência, o Conselheira 101, projeto que surgiu com objetivo de ampliar o número de lideranças negras em conselhos de administração de empresas, mostrou que não faltam profissionais qualificadas para acabar com a falta de diversidade nos boards.
Era agosto de 2020 quando Roberta Anchieta recebeu o telefonema de uma das cofundadoras do Conselheira 101 perguntando se ela gostaria de participar do projeto sem fins lucrativos que tinha como objetivo ampliar o número de lideranças femininas negras nos conselhos de administração de empresas. A executiva, com mais de 20 anos de carreira, superintendente de administração fiduciária no Itaú Unibanco, nunca havia cogitado se tornar membro de um conselho. “Meu pai era um homem preto brilhante, com três graduações, mestrado e doutorado e cresci com privilégio social, em espaços onde eu era a única negra na maioria esmagadora das vezes”, lembra Roberta. “Ele era um homem do mercado financeiro e desde pequena quis ser uma executiva. Achava que a falta de representação não tinha me limitado, mas nunca tinha me visto como conselheira e não conhecia nenhuma pessoa negra ocupando esse espaço.”
No primeiro encontro do Conselheira 101, que aconteceu no segundo semestre do ano passado, no entanto, Roberta estava reunida com mais 16 mulheres negras que, como ela, possuíam as qualificações necessárias para ocupar assentos nos boards. “Foi um impacto imensurável porque vi pessoas com o meu biotipo que também eram executivas e isso nunca tinha acontecido desse jeito”, conta. Pouco tempo depois, 40% delas já estavam inseridas nesse mercado. A Roberta, que foi convidada para atuar no Conselho Fiscal da Ânima Educação, somam-se as participantes Ana Fontes, conselheira do Instituto Avon e Plan International; Ana Tércia Lopes Rodrigues, conselheira fiscal do Parceiros Voluntários e no Conselho Consultivo do Emérito Capitalismo Consciente; e Patrícia Garrido, membro do Conselho Consultivo da Vibe; além das cofundadoras Jandaraci Araújo, conselheira da Kunumi AI e Emérito Capitalismo Consciente; e Lisiane Lemos, que acumula os conselhos consultivos do Fundo de População das Nações Unidas, Kunumi AI, Universidade São Judas e fundo EB Preferred Futures.
Assim, se antes do projeto havia a ideia de que faltava oferta, ficou claro,
após um ano da iniciativa, que o problema era mesmo a demanda. Entre as cofundadoras e participantes negras, Elisangela Almeida, CFO do grupo In Press, era a única que já havia pensado que poderia ocupar essa cadeira. Depois de ter participado do curso ABPW (Advanced Boardroom Program for Women) da Saint Paul, com o objetivo de preparar mulheres para conselhos, e estar inscrita no PDeC (Programa Diversidade em Conselho), ela foi procurada pela amiga Lisiane Lemos, especialista na área de tecnologia, que queria saber se, além dela, haveria mais
“alguma mulher preta” participando. Não contente diante da negativa, Lisiane decidiu lançar um formulário no LinkedIn para conhecer mais sobre quem estava atuante na governança corporativa e se surpreendeu com uma lista de 120 homens e mulheres negras de nível executivo que apareceram em apenas 48 horas.
A partir de então, descobrir por que esses perfis não chegam ao conselho se tornou uma prioridade não apenas dela, mas de várias outras mulheres que queriam mudar esse cenário, como Patricia Molino, Culture and Change Management Partner na KPMG Brasil; Graciema Bertoletti, diretora de produtos médicos
na Amil e membro do Conselho da Harvard Business School, e Mariane
Coutinho, do Conselho de Presidentes no PDeC. Juntas, elas desenvolveram o
programa que inclui na sua grade conversas sobre governança, formação de
conselhos e simulações de reuniões realizadas por esses grupos, com palestrantes
como Fernando Carneiro, da Spencer Stuart, Geovana Donella, da Donella & Partners, e Eduardo Gouveia, membro do conselho da Mapfre.
“Eu me achava capaz, tinha todos os skills, mas descobri no curso [da Saint Paul] que me faltava network. Se você tem uma empresa, fundada por sua família, irá colocar pessoas que conhece, e os C-Levels não conhecem pessoas como eu”, explica Elisangela. “As primeiras turmas focaram nas mulheres negras que já haviam trilhado um caminho no mundo corporativo, para chegarmos a um resultado rápido, mas como efeito colateral atingimos também as pessoas que estão começando, que passam a pensar nesse caminho.”
Com a segunda turma ainda em andamento, as cofundadoras do Conselheira 101 já estão de olho nas mulheres que devem participar da terceira jornada, e pensam em ampliar sua atuação com um programa de mentoring como forma de acompanhar o caminho das participantes por mais tempo. Do outro lado, quem passou por ali também leva os ensinamentos do projeto como meta. “O Conselheira 101 abriu portas para que fôssemos referências para outras mulheres negras acreditarem que é possível estar em um conselho”, conta Roberta Anchieta. “Queremos mostrar para o mundo das empresas que somos capazes e, ao mesmo tempo, mostrar para as pessoas com o nosso biotipo que podemos, sim, ocupar qualquer espaço. É mais do que uma questão profissional, mas um propósito de vida”, define.
Matéria publicada na edição 149 da revista PODER