Compaixão, envelhecimento e luto: Como ajudar as pessoas com questionamentos que fazem parte da vida?
Em meio ao turbilhão de fatos e emoções que arrebatou o planeta desde o início do ano passado por conta da pandemia, o ser humano precisou se reinventar por livre e espontânea pressão. De repente, tivemos de aprender a lidar com uma ameaça invisível que trouxe dúvidas, medo, isolamento social, doença, perda de entes queridos, mais de meio milhão de mortes no Brasil. Haja equilíbrio físico e mental para segurar esse rojão. Mas ainda bem que existem profissionais com essa expertise: ajudar as pessoas com questionamentos que fazem parte da vida de todo mundo, antes mesmo do coronavírus, como luto, envelhecimento e compaixão. Temas que ganharam ainda mais urgência diante da realidade do mundo em que vivemos. Em lives com Joyce Pascowitch, a antropóloga Mirian Goldenberg desmistifica a velhice, a professora e psicóloga Lina Sue fala de seus estudos sobre compaixão e Ana Claudia Quintana Arantes, médica especializada em cuidados paliativos, lança luz sobre o luto. Vale escutar o que elas têm a dizer. Aqui, destacamos alguns trechos dessas conversas.
ENVELHECIMENTO – Por Mirian Goldenberg, doutora em antropologia social e autora do livro “A Invenção de Uma Bela Velhice”
“Sempre quis estudar envelhecimento. Tinha medo desse tema, achava que era difícil, triste… Comecei a me aprofundar nisso aos 40 anos [Mirian tem hoje 64]. Me interessei em desvendar as prisões das mulheres relacionadas ao corpo (tem que ser magra, jovem, em forma, não pode envelhecer) e criei um conceito. No Brasil, para a mulher, o corpo é o verdadeiro capital. Somos as que mais investimos em corpo no mundo. E também número 1 em ansiolíticos, antidepressivos, remédios para dormir. Sofremos mais que todas as mulheres do mundo com esse modelo, que é uma prisão”, pontua. “Na Alemanha, as mulheres não falam de corpo, velhice, não sofrem por estarem fora do padrão. Na nossa cultura você é culpada por estar ficando velha e feia. Vivemos uma verdadeira velhofobia.”
E como encarar o envelhecimento de uma forma positiva? “Existe uma certa urgência quando mulheres chegam aos 40, 50, insatisfeitas. Muitas explodem: ‘Chega, vou cuidar de mim’. Elas valorizam liberdade e amizade, não querem mais se casar. Algumas nem querem mais transar, querem outros prazeres, a libido está em outro lugar. Eu mostro que a velhice, se não tiver problemas de saúde, pode ser o melhor momento da nossa vida”, diz a antropóloga, e alerta: “A maior violência contra os velhos é não escutá-los. Se tornam invisíveis. Pessoas de 90 e poucos me dizem que não têm mais com quem conversar. Elas são nosso tesouro, conseguiram sobreviver a tudo. Sem elas, não estaríamos aqui.”
LUTO – Por Ana Claudia Quintana Arantes, médica especializada em geriatria e gerontologia, psicóloga e fundadora de A Casa Humana
“A tal da luta pela vida se tornou muito desafiadora, por conta de tudo que foi imposto com a pandemia: aumento vertiginoso de pessoas doentes e o número de mortes. Famílias foram quase que dizimadas e deixaram sobreviventes emocionalmente devastados. Isso tudo vai ter que ser trabalhado”, diz ela. “As pessoas precisam começar a pensar na morte e no luto como algo necessário para uma vida que faça sentido, porque se você imaginar que as pessoas que você mais ama podem estar mortas na semana que vem, não vai abrir mão em nenhum momento de poder dizer o quanto ama, de ter esse momento de afeto”, revela. “Não tem uma fórmula mágica para sair do luto. O caminho mais fácil de fazer isso é se libertar do dia da morte. Se você ficar presa ao dia da morte da pessoa, não consegue olhar para toda a história que teve com ela antes disso. Essa história carrega todas as pistas necessárias para nos fazer lembrar o quanto tinha de amor nessa relação. É isso que nos reconstrói”. E finaliza: “Se a pessoa que morreu pudesse voltar, que conselho acha que ela te daria? Se existe amor verdadeiro o conselho vai ser: ‘Siga sua vida, seja feliz’. Não cabe uma vida inteira num dia só. Não cabe uma história de amor em uma doença. O corpo acaba, mas a história não”.
COMPAIXÃO – Por Lina Sue, professora, psicóloga clínica, mestre em ciências e diretora do Espaço Cuidar com Paixão
“Tudo que passei na minha vida, a compaixão que me salvou. Fato é que preciso primeiro ter contato com meu sofrimento, aprender a lidar com ele, e aí sim, cuidando de mim, eu cuido do outro. Especialmente as mulheres, mães, avós, que sempre colocam os outros na frente. Quando a matriarca da família adoece, desorganiza tudo. Por isso, ensinar o autocuidado é ensinar a autocompaixão. O treino da compaixão pode ser o antídoto de várias questões importantes, é um caminho necessário”, ensina Lina. “Fiz faculdade mais velha, me formei com 50 anos em psicologia. Meu objetivo é trazer a compaixão para o tratamento psiquiátrico: se estou sofrendo e vejo seu sofrimento, ao te ajudar, ao te ver sorrir, eu me ajudo. É curativo. Esse é o contágio da compaixão.
A pandemia foi um gatilho. Fiz uma pesquisa sobre estresse pós-traumático, antes mesmo do coronavírus, e conseguimos mostrar que aumentar sua autocompaixão diminui sintomas de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade. O mais importante, pensando em prevenção, é a escala de desesperança. Segundo a terapia cognitiva, quanto mais alta sua desesperança, mais grave o quadro. Na pesquisa, essa escala caiu 34%, o que é muito expressivo. Pensar na finitude serve para respeitarmos a morte. Ela é inevitável e virá, e eu respeito a morte, aceito que existe a velhice, doença e pobreza.” E em plena pandemia, mais do que nunca é preciso exercitar a compaixão: “Toda vez que ouvir que alguém morreu de Covid, pense que cada número é uma vida, uma pessoa. Põe a mão no coração e faça um minuto de silêncio. Foca no seu coração que isso reverbera no coração de outras pessoas”.