A trajetória da fotógrafa Vânia Toledo foi marcada por sua habilidade em capturar a cena cultural brasileira das décadas de 1970 a 1990. Sua paixão pela noite e pelas pessoas que a habitavam se refletiu em uma obra fotográfica notável que agora encontra lar no Instituto Moreira Salles (IMS), na Avenida Paulista, onde será preservada e difundida para as futuras gerações.
Vânia, nascida em 1945 em Paracatu, Minas Gerais, começou a carreira fotográfica como amadora, mas logo se dedicou profissionalmente à arte. Seu trabalho ganhou destaque quando se tornou responsável pela coluna de festas do jornal “Aqui São Paulo”. A partir desse ponto, a carreira decolou com publicações nacionais e internacionais em veículos como “Vogue”, “Claudia”, “IstoÉ”, “Interview”, “Folha de S.Paulo” e “Time”, entre muitas outras.
A peculiaridade de Vânia estava na abordagem próxima e pessoal às pessoas que fotografava. Ela costumava afirmar: “Meu vício é gente”, e isso era evidente em seu trabalho. Sua Yashica era como uma extensão da própria personalidade, convidando pessoas a posarem para ela nos corredores de espetáculos, bastidores de eventos ou em seu próprio estúdio.
GLMRM conversou com o jornalista Mario Mendes, que compartilhou histórias e conselhos que recebeu da amiga. São memórias de uma época marcante em suas carreiras, quando trabalhavam juntos na versão brasileira da “Interview”. Mário lembra que naquela época a revista estava em suas primeiras edições e que a capa seria o Ney Matogrosso capturado por ela, com entrevista exclusiva conduzida por ele.
Foi nesse bate papo que Ney fez uma afirmação sobre sua sexualidade: “Acho que vim homossexual nesta encarnação para cumprir uma missão”. Em 1978, durante a ditadura no Brasil, tal declaração era corajosa e controversa e resultou em consequências significativas. O editor da revista e Vânia tiveram que prestar depoimento na polícia.
Mário também compartilhou com a gente fatos sobre a personalidade dela, descrevendo-a como “alguém apaixonado por pessoas, cujo vício era a humanidade”. “Ela tinha a habilidade de fazer com que as pessoas se sentissem à vontade e autênticas na sua presença”, conta.
Além disso, o jornalista menciona seu livro de fotografias de homens nus lançado em 1980, que desafiou convenções da época. Vânia não se limitava a fotografar figuras famosas e se envolvia com pessoas comuns e artistas não reconhecidos. Sua capacidade de romper fronteiras e capturar momentos espontâneos em eventos culturais e festas também contribuiu para seu legado.
“Vânia tinha uma conexão especial com a cultura e a sociedade da época. Ela frequentava boates gays e eventos underground, fotografando o que poucos se atreviam a documentar naquele período”, continua Mário, reconhecendo a importância do arquivo de Vânia Toledo para o IMS como um retrato único da cultura brasileira e da transição do Brasil para a redemocratização. “Por isso que Vânia é tão importante. Acho que fez um trabalho único. Ela era um furacão! É tipo um Chacrinha da fotografia”, compara.
Uma história divertida entre eles? “Vânia e eu compartilhamos uma vivência intensa nos anos 80, uma década da qual sempre brinco dizendo que mal me lembro de ter dormido. Em um certo período decidimos morar juntos. Ela estava passando por uma separação e eu estava no meio de uma troca de apartamento com amigos. Assim, entre uma transição e outra, fui morar com ela”.
Naquela época, eles frequentavam os mais variados lugares, como o lendário Madame Satã. “Certa noite tivemos a ideia de ficar em casa, sermos comportados, assistir televisão e evitar sair. No entanto, algo inesperado aconteceu: estávamos assistindo a um filme e era quase 1 da manhã quando decidimos que deveríamos sair, afinal. A Flávia, nossa amiga, estava conosco, e ela nos convenceu a ir dançar. Então eu disse: ‘Precisamos nos arrumar antes’. E Vânia respondeu: ‘Bobagem, vamos do jeito que estamos. Só coloque um par de tênis por cima do pijama e eu empresto meu trench coat que ainda serve em você’. Quando chegamos lá, tiramos os casacos e começamos a dançar na pista de dança”, se diverte.
Sobre o acervo
O Instituto Moreira Salles adquiriu em torno de 250 mil imagens de Vânia, a maioria em preto e branco retratando figuras da cultura brasileira: Gal Costa, Caio Fernando Abreu, Rita Lee, Cazuza, Pelé, Milton Nascimento, José Celso Martinez Corrêa e muitos, muitos outros. A coleção inclui registros da vida noturna de São Paulo nos anos 1980 e uma série de nus masculinos que originou o livro “Homens: Ensaio” (1980). Vânia Toledo faleceu em 2020. Confira a seleção de imagens que GLMRM escolheu pra você:
Fotos: Coleção Vânia Toledo/ Acervo IMS