Brilho eterno ofuscado: Revolução tecnológica desafia o valor dos diamantes

Brilho eterno ou sustentável? Foto: Reprodução/James St. John/Wikimedia Commons

No cintilante cosmos dos conhecedores de joias, onde gemas preciosas são mais do que pedras e sim eternos símbolos de sofisticação, um fenômeno inesperado vem ofuscando o brilho do mercado: o preço dos diamantes brutos está despencando. E um novo protagonista emerge no enigma de mercado reluzente, ninguém menos que a pedra sintética. Justo quando a sustentabilidade domina as conversas profissionais atuais, desde os ateliês de haute couture até os halls de Wall Street, diamantes criados com a ajuda da tecnologia têm desfrutado de um brilho cada vez mais intenso. E se antes eram vistos como “falsos” ou “inferiores”, hoje são considerados por muitos uma alternativa ética e moderna. Melhor ainda – também são mais baratos.

Vale lembrar que em 2018, a britânica De Beers, gigante da indústria de diamantes, chocou o mundo ao lançar sua própria linha de joias de laboratório, Lightbox. Um sinal claro de que mesmo os players tradicionais estão se rendendo ao inevitável. A indústria tem vivido um período turbulento, com a recessão global e conflitos geopolíticos afetando o mercado. Contudo, a ascensão das pedras sintéticas não pode ser ignorada como um fator que está moldando o novo cenário, assim como nenhum dos outros que fazem o mesmo.

Não apenas a economia global e conflitos geopolíticos, mas também a alquimia da ciência moderna joga seu papel nessa transformação dramática. As técnicas de cultivo em laboratório andam tão avançadas que distinguir um diamante sintético de um natural aos olhos do leigo é quase impossível. Trata-se de uma façanha da engenharia humana que não só simula a beleza dessas pedras preciosas mas também desafia a própria noção do que é “autêntico”. Num futuro não muito distante, surge mais uma questão no horizonte: se a ciência pode replicar tão perfeitamente a natureza, então o que é realidade, afinal?

O impacto dos millennials e da Geração Z é igualmente inegável nessa mudança sísmica. Não são apenas consumidores preocupados com o preço, mas também agentes de mudança que valorizam a ética e a transparência. Para eles, a proveniência de um diamante importa tanto quanto seu brilho. E em um mundo de hashtags e movimentos sociais, ser dono de um diamante “limpo” pode ser mais um ato de declaração política do que um mero símbolo de status. Como ambas as gerações estão ascendendo economicamente, seus valores e preferências estão se tornando inescapáveis para qualquer empresa que almeja se manter relevante.

Tal fenômeno contemporâneo pode ser apenas uma fase, basta olhar para a história, que é repleta de exemplos de coisas assim. O caso da pérola, no início do século 20, é um. Na época, as pérolas eram um verdadeiro tesouro, até que o advento das versões cultivadas fez o preço das naturais despencar e as tornou acessíveis. Foi uma disrupção tão significativa que transformou aquilo que antes era um símbolo de status exclusivo em só mais um acessório de moda. Porém é cedo para dizer se no momento existe ameaça semelhantemente passageira para os diamantes.

A De Beers, por sinal, argumenta que a “desvalorização” é um reflexo das flutuações macroeconômicas e da menor demanda pós-pandemia. Um rápido olhar nos números corrobora essa defesa parcialmente: depois de um corte de preço de 40% no último ano e 15% adicionais em julho, os diamantes brutos da titã do bling estão cerca de 10% mais caros apenas do que no mercado secundário.

Mesmo que os diamantes cultivados estejam roubando a cena, seu valor de mercado também está em queda livre. Se há cinco anos a diferença de preço entre os naturais e os sintéticos era de cerca de 20%, hoje essa lacuna se alargou para 80%. A dinâmica está criando uma nova estratificação no mercado de diamantes, em que o termo “acessível” adquire uma nova conotação.

Para contornar a situação cada vez mais precária, a própria De Beers tenta flexibilizar suas políticas. Sinal do impacto, seus lucros caíram mais de 60% no primeiro semestre do ano. Sem falar que a entrada da companhia no jogo dos sintéticos há cinco anos teve impactos externos, e um dos maiores foi justamente o que causou o excesso de oferta que resultou no aumento da diferença de preços entre os diamantes naturais e os sintéticos. Numa cadeia de produção em que cada quilate conta, essa pode ter sido tanto uma cartada final rumo à eternidade quanto um tiro no pé.

Quanto ao futuro incerto desse setor da indústria do luxo, as especulações são tão numerosas quanto as facetas de um diamante bem lapidado. Algumas previsões apontam para um cenário em que os diamantes naturais e sintéticos coexistirão, cada um ocupando um nicho de mercado específico. Outros argumentam que os diamantes sintéticos podem eventualmente usurpar a coroa, tornando-se o novo padrão não apenas por questões éticas, mas também tecnológicas. De uma coisa podemos estar certos: a forma como enxergamos essas gemas está em pleno processo de redefinição, e aqueles que não se adaptarem podem ser relegados às páginas empoeiradas da história.

Indo um pouco além das cifras, a pergunta mais relevante é se isso significa algum perigo para o glamour “eterno” do diamante? Se há algo que pedras preciosas sempre evidenciaram é que seu verdadeiro valor nunca foi apenas uma questão de preço. Envolve outros aspectos, como um certo mistério que têm atrelado, seu provenance histórico e, acima de tudo, o sentimento que elas evocam. Talvez, essa queda de preços e o surgimento das pedras sintéticas estejam apenas democratizando a verdadeira essência do que significa possuir um diamante: um pedaço inquebrantável e eterno do extraordinário, agora disponível para mais bolsos.

A mesma “revolução” que agora parece ofuscar esse brilho sempre tido como eternal atingiu outros segmentos nos últimos anos, e na maioria o desfecho foi positivo. Agora, se os diamantes são eternos mesmo, e se a maneira como os vemos está prestes a mudar para sempre, ainda não há nenhuma luz no fim desse túnel para saber, frisando que túneis geralmente são longos. Quem disse que revoluções não podem ser surpreendentemente brilhantes?

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