Ao redefinir clássicos da moda para um mundo sem limites, uma indústria em potencial de US$ 17 bilhões mira as novas gerações de uma era sem gênero
Caso pudessem falar, as pérolas contariam uma história que atravessa milênios. Em tempos antigos, eram vistas como lágrimas solidificadas de sereias ou deuses, símbolos de pureza e perfeição. Nas cortes da Renascença, adornavam tanto mulheres quanto homens da aristocracia, anunciando riqueza e prestígio. Este movimento atemporal captura a alma de figuras históricas que vão de rainhas e reis britânicos a modernos ícones do estilo, como Timothée Chalamet e Harry Styles. As pérolas agora fazem parte de uma revolução estilística que abarca tanto as mulheres que encontraram liberdade nos designs confortáveis e elegantes da Chanel quanto os homens que se destacam em jaquetas da mesma maison francesa, celebrando sua singularidade.
O uso de pérolas por homens não é uma invenção moderna, mas sim uma recuperação de uma tradição muito mais antiga que havia sido esquecida ou marginalizada por normas de gênero mais estritas. O ressurgimento dessa tendência pode ser visto como uma espécie de retorno às raízes, uma recuperação da riqueza e da complexidade das expressões de gênero na moda. A história oferece vários exemplos de homens proeminentes que as usavam. Um dos mais famosos é o de Sir Walter Raleigh, o explorador inglês do século 16, que era conhecido por sua opulenta indumentária, incluindo pérolas. Além disso, os pintores frequentemente retratavam reis e outros nobres usando pérolas como símbolos de riqueza e poder. No Oriente, os marajás da Índia eram frequentemente retratados adornados com pérolas.
Em geral, as pérolas sempre estiveram mais associadas às mulheres, especialmente na cultura ocidental dos últimos séculos. Isso pode ser parcialmente atribuído à evolução das normas sociais e de gênero de então que começaram a delinear mais estritamente o que era “apropriado” para homens e mulheres vestirem. Além disso, a crescente acessibilidade das pérolas no século 20, em grande parte devido ao desenvolvimento da pérola cultivada, também pode ter contribuído para sua associação mais comum com a moda feminina. Mas nunca deixaram de ser bem representadas, ou de servir para coisas muito além de um complemento de um look.
A partir da década de 1970, quando o brilho do ouro enfeitava os pescoços de emergentes sociais, mulheres como Carolina Herrera e Lee Radzwill as tinham como uma forma sutil de, ainda que sem querer, mostrar que ser chique não tem nada a ver com ostentação. Da década em diante pra frente, quando os homens começaram a perder o monopólio dos cargos de chefia, pérolas também ganharam um protagonismo silencioso mas eloquente nos ambientes executivos, desde então servindo como uma espécie de “linguagem sutil do poder”. Sheryl Sandberg, COO da Meta Platforms, frequentemente escolhe pérolas para transmitir sofisticação e seriedade nas salas de reunião. É um acessório que, além de unir gerações, torna-se uma ferramenta de comunicação não-verbal, capaz de sussurrar autoridade e confiança sem dizer uma palavra – aqui, o de que chique mesmo é ‘mandar neles’.
Elizabeth II é outra figura emblemática que frequentemente era vista usando pérolas, e seu uso ia muito além da simples ornamentação. A falecida monarca britânica via nelas uma declaração sutil de autoridade, continuidade e elegância. Usadas em diferentes ocasiões, de eventos oficiais a retratos da família real, as pérolas da rainha transmitiam tanto uma ligação com a tradição quanto uma forma intemporal de expressar dignidade e classe. Nesse sentido, sua escolha consciente deste adorno transmitia mensagens implícitas de estabilidade e poder, contribuindo para o legado da monarquia incomparável dela.
Na vanguarda de tudo isso, há uma figura cujo nome ecoa através dos corredores da haute couture como um símbolo de elegância atemporal: Coco Chanel. A estilista francesa, cujo amor por pérolas era tanto uma assinatura quanto um testemunho de seu gosto refinado, trouxe ao mundo da moda o conforto dos trajes masculinos. Ela usava calças para montar cavalos com mais facilidade e desafiava as estruturas opressoras dos corpetes e saias em camadas. Para mademoiselle Chanel, as pérolas não eram apenas adereços, mas uma celebração da luz e da luminosidade, um complemento para a pele e os olhos, independentemente do gênero que os ostentasse.
Mas por que parar em pérolas ou jaquetas Chanel quando o próprio conceito de gênero está sendo desafiado? Estamos vivendo um momento em que as marcas de luxo estão diluindo as linhas tradicionais que dividem roupas “masculinas” e “femininas”. Estudos recentes indicam que quase metade da Geração Z valoriza marcas que não classificam produtos por gênero. E não é apenas uma tendência, é uma indústria emergente; o mercado global de vestuário sem gênero está projetado para atingir impressionantes US$ 17 bilhões (R$ 82,3 bilhões) anuais em 2028, dos US$ 4,7 bilhões (R$ 22,9 bilhões) que movimentou em 2022.
Como um bom vinho ou um conto de Hemingway, a elegância de Chanel tem uma qualidade atemporal que só melhora com a idade. É como se ela tivesse previsto este momento, quando as pérolas e o icônico casaco Chanel não são apenas tendências de moda, mas também manifestações de uma revolução de gênero. Os millennials e a Geração Z, nascidos em um mundo onde as definições de gênero estão cada vez mais fluidas, encontram nas pérolas e nos designs de Chanel uma expressão que transcende etiquetas e normas sociais.
Mais recentemente, a evolução das conversas sobre gênero e a crescente aceitação de estilos de moda não-binários estão ajudando a trazer as pérolas de volta ao guarda-roupa masculino. O ressurgimento das pérolas para homens pode ser atribuído a vários fatores, incluindo o poder das redes sociais, o endosso de celebridades masculinas, e uma mudança mais ampla em direção à inclusividade e quebra de normas de gênero na moda e na sociedade em geral. Grifes hypadas e designers estão incorporando pérolas em suas coleções masculinas, e galãs de Hollywood têm sido vistos usando-as, contribuindo para desmantelar a ideia de que pérolas são apenas para mulheres.
Como gemas que já foram usadas por rainhas e reis, e de uma jaqueta que subverteu as regras ao oferecer elegância sem sacrificar o conforto, hoje esses símbolos clássicos encontram uma nova casa nos corpos daqueles que recusam categorizações fáceis. Uma época que, somada ao surgimento do ‘quiet luxury’ como um conceito e não um modismo, a individualidade virou a verdadeira moeda de luxo. De quebra, peças intemporais tão cheias de significado se destacam porque oferecem mais do que estilo; elas oferecem liberdade.
O que se destaca, de forma inquestionável, é o avanço contínuo da sociedade através dos séculos. Agora, em 2023, a moda parece, enfim, ter acolhido a rica tapeçaria da identidade humana, erguendo um brinde a ícones que resistem ao teste do tempo: às pérolas, à Chanel e, mais importante, à coragem de sermos genuinamente nós mesmos. A dica é simples: em um mundo perpetuamente mutável, a autêntica elegância está em compreender nossa própria essência — e adornar-se de acordo.