O carnaval está se aproximando e rendendo muito assunto. Uma questão que foi levantada pela jornalista Iesa Rodrigues me fez pensar: nossa maior manifestação artística seria nossa “alta-costura”? Podemos achar várias razões para dizer que sim.
* Quem já viu de perto os desfiles das escolas de samba consegue visualizar toda a beleza estética e riqueza que existe nesse processo de um ano intenso de criação, com materiais que vão do lixo ao luxo. Quando eu falo do lixo ao luxo é porque ao mesmo tempo em que usam garafas pet, embalagem de ovo, lacre de latinhas de refrigerante, entre outros materiais, vemos também ricas plumas, paetês e cristais Swarovski, que não custam nada barato.
* O estilista Marcelo Quadros tem uma opinião diferente no Carnaval. Não é exatamente uma “proposta de moda”, já que ele é mais folclórico, alegórico e caricato, porém, luxuoso no emprego dos materiais. Seus desfiles de moda têm mais conteúdo estético e uma preocupação maior com qualidade de acabamento e modelagem, o que caracteriza a alta-costura. Marcelo me apresentou o livro do fashion designer Bob Mackye, que já criou roupas para televisão, cinema, teatro e ópera. Um dos seus maiores ícones de inspiração era a saudosa Carmen Miranda, que completaria 100 anos em 2009. Entre os trabalhos mais chocantes dele está o vestido usado por Cher no Oscar de 1985, puuuuro carnaval! Parecia que a locona ia sair de lá direto para apoteose do samba, inacrê! Sem querer xoxar, o trabalho da roupa é impecável, mas não precisava, vamocombiná?!
* Já Lesa me explicou que a o carnavalesco, o “pseudo estilista do carnaval”, é na verdade um figurinista. O figurinista é o profissional que idealiza o costume de um personagem, enquanto o estilista cria ou desenvolve um estilo de roupa. Parece igual, mas na verdade existe uma megadiferença entre as duas profissões: o processo de pesquisa e criação é semelhante, mas o de desenvolvimento e produção é direcionado de outra forma. Nos desfiles de alta-costura, os estilistas podem pirar no que eles quiserem, então chutam o pau da barraca e a roupa vem com vários dígitos, mas todos moooito justificáveis. Já os carnavalescos têm que trabalhar com X orçamento, e se viram nos trinta pra construir alegorias incríveis e ganhar a competição na passarela do samba. Sendo assim, concordo com a declaração de Lesa de que podemos dar um valor de alta-costura a eles, não é mesmo?
* Voltando um pouco aos primórdios do carnaval em papo com minha amiga cineasta Carolina Jabor, que recém lançou numa co-produção com Marisa Monte, Lula Buarque de Hollanda e Leo Neto o documentário “O Mistério do Samba”, que conta a história e o cotidiano dos integrantes da velha guarda da Portela. Nessa conversa descobri uma figura importante para a história e imagem do samba: Paulo da Portela, que trabalhou como lustrador e participou de agremiações carnavalescas amadoras formadas por operários e funcionários públicos. Em 1923 ele ajudou fundar a escola Vai Como Pode, que em 1935 adotou oficialmente o nome de Portela. Esse foi “O CARA” que mais lutou para mudar a imagem genérica que se tinha do sambista malandro e vagabundo para o artista de respeito, incluindo a questão “ELEGÂNCIA”. Os ternos eram feitos por grandes alfaiates e tinham caimento perfeito. Taí uma grande relação com a alta-costura: a questão de caimento, acabamento e modelagem, como citei acima. Ele dizia: “O sambista tem que estar com a cabeça e os pés ocupados”, tudo isso porque ele tinha total noção de quão importante era a questão estética para essa mudança de comportamento. Que cara de visão, hein? Isso porque ele dificilmente ouviu falar em alta-costura.
* Carolina acha que a relação Carnaval e alta-costura acontece hoje porque tudo virou uma indústria. Antigamente, diz ela, as fantasias eram muito mais ingênuas, românticas e as inspirações surgiam da necessidade de vivenciar a arte. Era muito natural e instintivo. O “luxo, glamour e riqueza” são características que se vê atualmente nas diferentes passarelas: a do samba e a das semanas de moda. Plumas e paetês são a bola da vez. Se joga!
Lara Gerin