No país do futebol, a camisa da Seleção Brasileira, sobretudo em ano de Copa do Mundo, tem o mesmo peso que a bandeira nacional. A peça, que costuma estampar as cores azul, verde e amarelo, ganhou uma nova versão para o Mundial deste ano no Catar, após virar símbolo também de disputa da polarização política. Mas o novo modelo, que aposta em referências nacionais como a onça, não conseguiu apaziguar os ânimos sobre uma vestimenta que, em outros tempos, era símbolo de união entre torcidas.
Para a professora de História da Moda da Escola de Comunicação e Artes da USP, Andreia Meneguete, a tentativa de parte dos brasileiros tentar se apoderar da camisa da Seleção ou de outro grupo a rejeitar só demonstra nossa fragilidade como nação em meio às crises sociais, políticas e econômicas.
Fabricante da camisa oficial, a Nike, chamou ainda mais atenção para isso quando proibiu a personalização com nomes como “Bolsonaro” e “Lula” e expressões como “mito” nas novas peças. “Foi uma tentativa de recuperar uma união nacional”, diz Andreia, especialista em branding e cultura material e consumo, ao GLMRM.
“As marcas estão tentando retomar a neutralização social. Mas, olha que interessante, temos marcas cumprindo um papel que seria das instituições brasileiras, mas elas estão tão enfraquecidas que não conseguem fazer esse trabalho”.
Para a professora, a tentativa da marca é mostrar que as cores presentes na camisa da Seleção Brasileira e na bandeira do Brasil não pertencem apenas a um grupo, mas a todos os brasileiros, independente de sua ideologia política.
“As marcas têm esse poder de articulação, já que expressam e comunicam os valores sociais. É essa relação que temos com as marcas dentro de uma sociedade de consumo”.
Manifestações religiosas
Apostar em símbolos nacionais como a onça e exaltar a “garra” do brasileiro vai na direção certa de um sentimento de identidade da população, mas, mesmo assim, não afastou totalmente a polarização e as polêmicas do novo uniforme.
Além de proibir a customização com termos ligados à disputa eleitoral, a Nike vetou também manifestações de cunho religioso. Mas torcedores logo apontaram falhas na regra, que não permitia a impressão de nomes de orixás das religiões de matrizes africanas, por exemplo, mas liberava nomes como “Jesus” ou “Cristo”.
Acusada de intolerância, a marca explicou, em comunicado, que uma “falha no sistema permitiu a customização de algumas palavras de cunho religioso” e afirmou que o problema está sendo corrigido.
Mesmo com todo esse poder de articulação social, a professora da USP também vê a proibição de expressões nas camisas como um posicionamento autoritário.
“Em tempos que o consumidor é um ator que estiliza e personaliza seus produtos, uma marca tentar coibí-lo de escolher o que deseja fazer com o seu produto após a compra pode soar, de certa forma, arbitrário”
Afinal, explica, “quando você compra um produto, você quer fazer o que bem entender com ele e, nesse caso, a Nike diz que você não pode fazer o que quiser com sua compra”.
O mercado e o faturamento é outro ponto importante. Andreia Meneguete observa que a Nike perde dinheiro nessa batalha entre times políticos que se apossaram de determinados símbolos em seus movimentos. “Por isso a intenção da marca não pode ser só mercadológica, mas tem que ser genuína”.
GLMRM procurou a Nike para entender o porquê da diretriz. A empresa afirma que “não permite customizações com palavras que possam conter qualquer cunho religioso, político, racista ou mesmo palavrões”. Também diz que seu sistema é “atualizado periodicamente visando cobrir o maior número de palavras possíveis que se encaixem nesta regra”. Leia o comunicado na íntegra:
“A Nike, como descrito na própria página, não permite customizações com palavras que possam conter qualquer cunho religioso, político, racista ou mesmo palavrões. A falha no sistema que permitiu a customização de algumas palavras de cunho religioso está sendo corrigida. A marca reforça ainda que este sistema é atualizado periodicamente visando cobrir o maior número de palavras possíveis que se encaixem nesta regra.”