“Oi, pode subir”, ecoa a voz pelo interfone do prédio de nove andares nos arredores da praça Vilaboim, em Higienópolis, bairro em que nasceu. A voz de Marina Person, que inspirou uma geração de jovens por quase duas décadas quando esteve à frente da antiga MTV, é inconfundível. Sem portaria e hall de entrada, o elevador conduz a equipe da revista J.P para dentro da ampla sala da cineasta e apresentadora – que é onde tudo acontece.
Com planta livre reformulada pelo arquiteto Shundi Iwamizu, a sala de estar se une à sala de TV, à de jantar, à cozinha e ainda ao escritório de Marina, composto por uma charmosa mesa de jacarandá de Sergio Rodrigues e estantes repletas de livros de arte, fotografia e de diretores de cinema, como seu próprio pai, Luiz Sérgio Person, além de Truffaut, Fellini, Almodóvar e Jia Zhangke. As obras disputam espaço com estatuetas e premiações de sua produtora, a Mira Filmes, fundada com o marido, Gustavo Rosa de Moura, em 2011, câmeras filmadoras antigas e fotografias estilo Polaroid.
“Esse é meu pai, com uns 20 e poucos anos”, aponta ela para o retrato tirado no sítio em que a família morou durante sua infância, em Itapecerica da Serra. Além da semelhança física, Marina herdou do pai, morto em um acidente de carro quando ela tinha 6 anos, a paixão por Beatles e pelo cinema. Tanto é que uma de suas primeiras memórias de infância é a experiência da sala escura ao seu lado, quando foram assistir ao “O Mágico de Oz”.
“Lembro do cheiro do mofo, do escuro em contraste com o dia ensolarado lá fora e do encantamento ao ver aquela tela enorme.”
Seu premiado filme “Person”, de 2007, uma reconstrução da memória do pai, está eternizado no corredor da sala que leva aos quartos, com o pôster emoldurado na parede – um pouco antes das centenas de credenciais penduradas dos eventos que cobriu ao longo de sua trajetória em canais como MTV, TV Cultura e Arte 1. O cartaz de “São Paulo, Sociedade Anônima”, dirigido pelo pai e considerado um dos melhores filmes do cinema nacional, ocupa lugar central na sala, com miniaturas dos Beatles dispostas à frente.
Os sofás da Forma Design, a cadeira de balanço herdada do avô materno, e os inúmeros vasos de plantas, que compõem uma pequena selva urbana, criam uma atmosfera acolhedora em harmonia com obras de Luiz Zerbini, Cildo Meireles, Raul Mourão, Nuno Ramos e Anna Maria Maiolino. Já na sala de jantar, o enorme quadro que fica acima da mesa, projetada por seu marido em parceria com Shundi, também é um legado do cinema. Ele foi pintado pela artista Tatiana Blass para ser objeto de cena do filme “Canção da Volta”, em que Marina atua, sob direção de Gustavo.
Um 3T, aquele banquinho de madeira utilizado no set de cinema, em tom verde limão e grafado com seu nome, também é outra referência em seu apartamento. Ele foi um presente de Zico Goes, então diretor de conteúdo da MTV, quando o canal se desfez, em 2013. As plaquinhas “Restaurante” e “Studio B”, que eram utilizadas na sede da emissora, na Alfonso Bovero, também foram integradas à decoração da cozinha de Marina.
“Na festa de despedida da MTV, falaram que a gente podia levar tudo. Então trouxe para casa. Foi no estúdio B que gravei ‘Meninas Veneno’, ‘Supernova’, ‘Contato MTV’… foram 18 anos. É o lugar em que mais passei tempo na vida”.
Originalmente com duas cozinhas, como um típico apartamento judaico, o projeto ganhou amplidão ao unificar os dois ambientes e ao desfazer os quartos de serviço. É lá, entre a ilha com o fogão industrial, duas longas bancadas e um varal com um quê de tudo pendurado – desde panelas a escova de garrafas – que Marina passa seus dias de folga.
Idealizadora do canal de culinária saudável “Marinando”, a diretora prepara pratos sem carne vermelha e sem farinha na companhia do marido. E a alimentação é levada tão a sério que até mesmo quando está filmando faz questão de levar a tiracolo uma lancheira com seus biscoitos e castanhas. Uma horta com alecrim, manjericão e muitas mudas de abacate reveste de verde a moldura da janela.
Ela tem um quadro que reproduz as panelas Le Creuset, presente de Zeca Camargo, seu primeiro chefe na MTV, alinhado lado a lado com as peças reais. “Zeca pediu para vários amigos tirarem fotos de algo de sua casa e mandou depois fazer um quadro de presente”, conta.
A campainha toca e sobe uma cesta de café da manhã, com pães e frios, presente de sua equipe de filmagem. “De qual será?”, questiona, já que ela está envolvida em quatro produções ao mesmo tempo: um documentário sobre a Mostra de São Paulo e um sobre corpos fora do padrão na música, além de um episódio da série “De Volta aos 15” e de um longa de ficção sobre as vítimas de João de Deus, com Marco Nanini, Karine Teles e Bianca Comparato.
Quando conseguir uma brecha na agenda, a ideia é passar uma temporada de descanso no sítio do sogro, em Barra do Una, no litoral norte, onde o casal ficou boa parte da pandemia – entre o mar, cachoeiras e a Mata Atlântica.