O vestido laranja usado por Rosângela Lula da Silva, mulher do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na coroação do rei Charles III, no começo de maio, levou muita gente a questionar se a cor talvez não tenha sido um pouco “forte” demais para a ocasião.
Assinada pela estilista Rafaella Caniello, a peça teve como inspiração a canção Tangerina, parceria de Tiago Iorc e Duda Beat, conforme a própria primeira-dama, mais conhecida pelo apelido Janja, explicou mais tarde. E, coincidência ou não, justo o mesmo tom alaranjado do look destacado ainda por uma capa na mesma tonalidade, é a cor do momento no hemisfério norte, principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, regido pelo cetro do monarca coroado há quase dois meses.
Historicamente, o laranja teve vários momentos de altos e baixos, e tem como principal significado a capacidade de ecoar uma certa ousadia, mas com elegência, de ser sinônimo de calor e, por ser chamativo, mas também convidativo, tem a capacidade de gerar uma sensação de acolhimento. Trata-se de uma cor que, na moda, foi usada até mesmo estrategicamente em períodos durante os quais tais percepções e sentimentos eram necessários. Um exemplo é o reinado de Elizabeth I (1558-1603), última rainha da Casa Real de Tudor, que a usava para combinar com seu cabelo ruivo e, dessa forma, transformar sua própria imagem em marca. Não por acaso, a protagonista da primeira era elisabetana é até hoje uma das mais lembradas entre seus antecessores e predecessores britânicos.
Voltando ao presente, o “laranja Hermès”, assim tratado pelos fashionistas por ser a cor que domina o logotipo da maison francesa e também aquela que fez de uma de suas bolsas de mão um ícone e uma commodity, ao ponto de já ter sido leiloada por cifras de € 150 mil (R$ 790,5 mil) para cima, ressurgiu nos mais variados cortes e formas nas passarelas das últimas semanas de moda europeias. Da Burberry à Prada, a maioria das coleções apresentadas eram carregadas de toques alaranjados, um “fenômeno” interpretado por alguns críticos de moda – entre eles Vanessa Friedman, do The New York Times – como uma forma capaz de permitir a grifes desse porte sua reentrada em cena em um mundo pós-pandemia, forçado ao tédio pela quarentena, que por sua vez fez do pijama a tendência fashion de então.
Outra evidência do poder do laranja ocorre nos EUA, mas em outro segmento: o de decoração. Assim como possivelmente é o caso dos brasileiros, os americanos donos de casas próprias têm nelas a maior parte de seu patrimônio. E, por saberem que isso é, também, um investimento, sua preocupação constante é fazer o possível para valorizá-los cada vez mais. Daí o costume americano de sempre estar reformando, ampliando ou fazendo obras de todos os tipos em seus lares e, geralmente no melhor estilo “DIY” (“Do It Yourself”, ou “Faça Você Mesmo”). No caso daqueles que podem contratar um decorador, no entanto, a estratégia da hora para valorizar um imóvel residencial de alto padrão em até 10% é usar também a cor, seja em móveis de luxo ou para pintar paredes (redescobertas em razão da pandemia) de ambientes de circulação como o “foyer”, uma espécie de hall de entrada premier, mais hypado ainda se tiver pé-direito duplo, comum nas casas mais caras e tidos como um indicativo de que seus moradores são de classe média alta, status que os americanos de classes menos abastadas têm como objetivo a conquistar.
Difícil saber se Caniello ou mesmo Janja sabiam de tudo isso. E também é isso, entre inúmeras outras nuances, que provam que a moda e, em particular, a alta moda, que de fato determina o que está “in” e o que está “out”, traduzem de forma tênue qualquer conjuntura. Graças a essa adaptabilidade, e por valorizar o detalhe, a indústria da moda há anos é uma das que mais cresce no mundo, tendo movimentado US$ 106,4 bilhões (R$ 511,8 bilhões) em 2022 e com previsões de terminar esse ano com outros US$ 123 bilhões (R$ 591,6 bilhões) em receitas globais, seu melhor resultado em toda a história.