A primeira temporada da série “Aruanas”, em exibição na Globo, está chegando ao final, mas a produção que mostra a exploração ilegal da Amazônia, já tem a segunda temporada confirmada, mas com as gravações adiadas por conta da pandemia. Quem tem chamado a atenção do público é o personagem de Luiz Carlos Vasconcelos, Miguel, dono de uma mineradora capaz de todas as maldades e artifícios ilícitos para explorar a floresta em seu benefício, ao mesmo tempo em que ama profundamente a neta Gabi, menina com paralisia cerebral capaz de mostrar o lado amoroso e frágil do vilão. Na entrevista abaixo, Luiz conta como foi o processo de construção desse personagem humano e complexo: “Ele é um alienado de si mesmo”.
Como foi contracenar com a Manuela Trigo, que dá vida à Gabi?
Luiz Carlos: Pode-se talvez cometer o erro de se enxergar primeiro sua condição física, mas a Manu é antes de tudo uma atriz, com suas ideias e criatividade próprias. Isso era a coisa mais comovente e linda da relação. A gente ia para a cena, ensaiávamos e ela sabia o que tinha que dizer, mas ia além. Ela queria sugerir e a gente vibrava junto. Passava também a ser meu o prazer daquele avô em ver a netinha se comunicando. Contracenando com a Manu, como não aflorar o amor, o que há de melhor em mim?
Como você traduz a complexidade do Miguel, seu personagem em Aruanas?
Luiz Carlos: O Miguel não é aquele vilão de uma camada só, ele tem muitas camadas. Ele é capaz de atitudes egoístas tremendas, a ponto até de matar, mas também é capaz de um amor profundo, como o amor pela netinha. De certa forma, ela é um homem incrível como batalhador, capaz de construir uma trajetória profissional. Ele veio de baixo até se tornar um empresário. Mas ao mesmo tempo, na dimensão mais humana, é extremamente primitivo. Talvez por ter sofrido e vivido o que viveu, é capaz das coisas mais atrozes para conseguir o que quer. É um alienado de si mesmo. Ele é um total ignorante de si e do outro.
Como foi a preparação para criar o Miguel?
Luiz Carlos: A leitura dos episódios e as sugestões e indicações dos diretores foi muito importante. Embora eu também seja diretor, como ator sou cego, fico indefeso, eu me ponho na mão do diretor e de quem está fazendo essa preparação. E eles vinham com toques preciosos nos momentos mais difíceis. Agradeço a toda a equipe de direção por isso. Mas o que mais me fascinou foi perceber que esse Miguel tão primitivo e alienado de si mesmo, com seus acessos de fúria e amor, estava em mim, dormia em mim em algum lugar. A diferença é que eu tenho consciência disso e consigo domar esses sentimentos, sem que esse “bicho” venha à tona. O Miguel tem o bicho dele solto, principalmente por ter um ego imenso.
Como Aruanas pode despertar a consciência ambiental nas pessoas?
Luiz Carlos: Antes de qualquer discussão sobre devastação ou garimpo, temos que defender a vida, em todas as suas possibilidades. Isso não deveria se questionar. E isso deve ser feito com dois pés fincados: um no direito humano e outro no direito da natureza. Isso ficou muito claro quando filmamos na Amazônia: um passeio em qualquer embarcação num igarapé me fazia entender e gritar isso: a luta dessas mulheres é uma defesa na base pela vida. Todo mundo deveria de alguma forma pôr os olhos em alguma área de devastação da Amazônia para não se iludir só com suas belezas tremendas.