Beyoncé já disse que quem manda nesse mundo são as mulheres e muitas delas estão aí para colocar essa afirmação à prova. Letticia Munniz é um desses exemplos que trabalha para ajudar a construir a autoconfiança e autoestima das mulheres, cada uma com características e essência próprias. Aos 29 anos, a atriz, influencer e modelo se comunica diariamente com suas seguidoras em suas redes sociais bombadas em que esbanja mais de 300 mil fãs e levanta a bandeira do empoderamento: “Quando começar a entender que é uma pessoa tão incrível, você começa a se olhar com amor, tudo começa a ficar mais doce, mais bonito”.
Além disso, Letticia dá um chega para lá nos padrões: “Comer uma coisa gostosa também é um autocuidado, assim como cuidar da nossa saúde com alimentos bons que nos fazem bem e do corpo com exercícios físicos”. Tem muito mais sobre autoestima, exercícios físicos, independência financeira e busca pelo amor próprio no nosso bate bola com Lelê. Vem ler! (por Luzara Pinho)
Glamurama: O que é autocuidado para você?
Letticia: Se cuidar com amor, e se colocar em primeiro lugar, o que não quer dizer que não podemos nos importar com os outros. Vai muito além de cuidar do seu corpo, mas cuidar da mente, ter paz. São pequenas coisinhas que podemos fazer por nós, por exemplo: comprar flor me deixa tão feliz, então eu vou comprar essa flor, gosto muito de uma comida e não vou me proibir de comer porque é calórica, não significa que estou destruindo minha saúde. Só aos 29 anos, tive a experiência de sentir o sabor de uma comida sem culpa e arrependimento. Já passei por muitas dietas restritivas e posso afirmar com convicção que destrói o nosso psicológico e acaba com a felicidade.
Glamurama: A partir de que momento você percebeu a necessidade de se amar como você é?
Letticia: Sempre sonhei em me amar como sou, mas não queria ser eu. Queria ser magra. Lembro que comprei revistas sobre corpo, que só falava sobre emagrecer, dieta da sopa… Eu fiz essa dieta com 12 anos! Demorou muito porque sempre digo que autoestima é autoconhecimento. Quando passei a priorizar quem eu era parece que entrei num portal de luz e tudo mudou, mas não de um dia para o outro, é uma construção. A vida inteira fiz regime, exercícios que odiava, me recusava a comprar uma roupa G, tive transtornos alimentares na adolescência e isso machuca. Me fiz muito mal e cansei, precisava descobrir como era viver sem estar em guerra constante comigo e com meu corpo, então comecei a dar valor para o que sou, que é mais do que uma barriga ou uma perna fina e sarada. É um despertar maravilhoso!
Glamurama: Como percebeu que era hora de tentar ajudar os outros na busca do amor próprio?
Letticia: Quando fui ajudada. Sou libriana, tenho isso de querer fazer tudo para todo mundo e minha vida mudou quando conheci a Ashley Graham, que é minha inspiração e usa a mesma numeração que eu, 46. Então pensei “será que sou linda, maravilhosa e perfeita também?” Através dela, comecei a me enxergar. Uma coisa que todo mundo devia fazer era parar de seguir musas fitness e seguir quem é como você. A Ashley fez eu me libertar de uma prisão de 28 anos com uma foto. Quando eu posto, não é pra me achar nem ganhar like, se uma mulher olhar e falar “caraca eu também sou 46, também tenho esse corpo então sou bonita”, isso é o suficiente. Se libertar uma mulher dessa prisão, meu trabalho valeu.
Glamurama: Você tem alguém que te serve de inspiração?
Letticia: Além da Ashley, tem a Lessance, maravilhosa, com suas coxas que chegam a ser maiores que as minhas. Estou super nessa vibe de encontrar e divulgar mulheres como nós. Quando eu seguia as influenciadoras fitness, acordava às 6 horas para trabalhar e às 5h elas já tinham ido malhar. Me sentia uma pessoa horrível porque não tinha feito o mesmo. Essas pessoas nos culpabilizam e vendem uma realidade que não existe para as mulheres normais porque elas dizem que é só você querer, que você está assim porque não levanta da cama. As pessoas precisam de um domingo na frente da TV, assistindo série e comendo hambúrguer, precisam de horas de descanso. Você não pode seguir quem te vende que você está fazendo errado, você precisa seguir quem te inspira para o bem e que te mostrem que você é linda e precisa cuidar de si, do seu corpo e da sua mente.
Glamurama: Como foi seu processo de independência financeira?
Letticia: Sou de família só de mulheres, meu avô abandonou minha avó, meu pai abandonou minha mãe e eu nem conheço ele. Minha inspiração da vida é minha vózinha, que morreu esse ano. Ela criou a gente porque minha mãe precisava trabalhar para sustentar três filhos e sempre contou a história de como conseguiu se divorciar em uma época que não podia fazer isso. Meu avô fazia coisas horríveis e ela só conseguiu se libertar porque não dependia financeiramente dele. Aos 20 anos, as meninas querem rolê, beijar na boca, roupa bonita, ficar linda… Isso custa dinheiro e muita gente está naquela fase “ou invisto em um curso ou saio com as minhas amigas.” Existem momentos que precisamos fazer escolhas que nos levam a caminhos maiores. No ‘Lelê Responde’ (quadro no stories em que conversa com as seguidoras) falo muito sobre relacionamentos, sempre procuro bater nessa tecla do trabalho e da carreira, de ir atrás de nós mesmas.
Glamurama: Como alia autoestima e trabalho?
Letticia: Falar sobre autoestima virou meu trabalho. Fiz curso de teatro, sou apresentadora, sempre quis fazer humor. Têm dias que minha autoestima não está lá em cima, mas isso dura pouco tempo e faço questão de mostrar esse lado. Como modelo, às vezes fico chateada porque sinto que as marcas estão atrasadas em relações aos corpos grandes. Aproveito cada oportunidade para falar o que sinto usando aquela roupa e como gostaria de me sentir para as marcas. Por que não fazer roupas lindas em tamanhos maiores? Ninguém tem essa resposta porque ninguém está fazendo, né?
Glamurama: Você, na maioria das vezes, trata temas como empoderamento e autoestima com humor. Como tem sido a recepção com esse tipo de abordagem?
Letticia: Para mim é a melhor forma de conversar. No começo fazia humor porque queria mostrar meu trabalho, mas falo muito sobre o feminismo, então achei na comédia uma forma de acessar as mulheres que ainda não entendem muito bem e o feedback é positivo. O humor quebra esta quarta parede com o público. Feminismo é tão simples, não tem como você não concordar, ser mulher e não ser feminista não faz sentido. Você não quer ter direitos? Não quer ser livre? Você quer! Então digo de forma que ela entenda. É uma arma poderosíssima para o bem e para o mal, como vemos alguns humoristas por aí.
Glamurama: Sofreu preconceito? Como foi na infância e adolescência?
Letticia: Preconceito não, seria absurdo falar isso porque sou uma mulher grande e não gorda. Mas me sentia o patinho feio porque minhas amigas eram magrinhas e lindinhas, os meninos queriam só elas. Para mim era difícil estar nas roupas lindas e eu via as referências de mulheres para seguir e elas não eram como eu. Minha adolescência foi muito difícil, tive bulimia, vício em laxante, fui uma comedora compulsiva, descontava tudo na comida até passar mal e depois me culpava. Não tinha nem como retrucar porque era eu contra o mundo, as mulheres magras das revistas e da TV. A indústria da moda é culpada pelas mulheres odiarem seu corpo. Eu não me sentia feia até comprar roupas que não me serviam.
Glamurama: As mulheres reais estão ganhando espaço, sendo mais valorizadas atualmente? Você sente uma evolução nesse processo?
Letticia: A gente não está sendo mais valorizada e sim se valorizando. As mulheres estão se desconstruindo e os homens estão parados no tempo. Às vezes você se acha linda e maravilhosa com esse corpo, essa roupa e o fato do cara não gostar destrói tudo aquilo que você demorou tanto tempo para construir. A gente está se valorizando, mas a sociedade não caminha junto, porque ainda a mulher bonita é a magrinha, sarada que tem que ir na academia, se não homem nenhum vai querer. Meu trabalho é falar sempre “esse cara é um idiota, não merece essa mulher maravilhosa que sempre foi e está se tornando”.
Glamurama: Como modelo, sente maior aceitação/procura do mercado da moda por mulheres reais?
Letticia: Sim, só ainda há um atraso. Fiz fotos para uma marca, logo depois eles fizeram um desfile só com magros na passarela. Pensei: “será que tudo aquilo que vivi no dia das fotos como se fossemos todos iguais é o que eles pensam?” Onde estão os outros corpos reais? Essas pessoas estão por aí. O modelo nada mais é do que a representação de quem vai vestir aquela roupa, todo mundo tem que vestir roupa. Eles querem vender, mas não querem fazer. A gente vive no Brasil, um dos países mais miscigenados do mundo e todos querem se ver, a representatividade importa.
Glamurama: Uma dica para alguém que ainda não conseguiu conquistar o amor próprio?
Letticia: Se olhar com amor. O nosso cérebro é muito mais fácil de funcionar no modo negativo. Hoje em dia até minhas celulites acho bonitas. Não sou o tamanho do meu peito ou da minha barriga. Fiz uma lista de coisas maravilhosas sobre mim, das coisas boas que faço. Quando vou me relacionar com uma pessoa, o que tenho para entregar para ela? Essa é você! Todo mundo vai envelhecer, o peito de todo mundo vai cair. Quando começar a entender que é uma pessoa tão incrível, a se olhar com amor, tudo fica mais bonito. Até meu nariz, me chamavam de tucano na escola, acho lindo.
Glamurama: Você é super engajada com o futebol e criou o “Jogue como uma Garota”, qual a ideia principal do projeto?
Letticia: Chamo de coletivo porque desde o primeiro momento as treinadoras se dispuseram a dar os treinos de graça e foram essenciais para que ele exista. Comecei a me engajar pelo feminismo, percebi que o futebol feminino era pouco visto, falado e valorizado. A ideia é dar visibilidade não só para as atletas, mas para que mulheres de qualquer lugar, com qualquer tipo de corpo e idade possam se sentir bem-vinda no esporte que nos foi negado historicamente.
Glamurama: Algum outro projeto em vista? Qual?
Letticia: Apesar de sempre ter feito teatro, humor – eu queria ser a Tatá Werneck que é a ídola da minha vida (risos) – estou tão feliz com meu trabalho como modelo que sinto que posso fazer alguma coisa a mais. Por outro lado, sinto que preciso ir mais longe como modelo, para que outras mulheres tenham acesso ao meu corpo e se sintam confortáveis nos delas. Quero me dedicar para que as empresas me coloquem ali normalmente, não para dizer que tem uma peça ou outra para o meu corpo. Todos os corpos têm que fazer parte dessa conversa.