Atriz desde os 17 anos, Ingrid Guimarães começou a se perguntar, quando completou duas décadas de carreira: “Como vou envelhecer fazendo humor se o gênero é tão fresco e muda de acordo com a época?” Hoje, aos 46 e beirando a terceira década de profissão, a resposta veio materializada em uma série de projetos, acompanhados de um balanço dela como protagonista, mulher e comediante – representatividade, né? Não tem um dia em que ela não acorde com uma mensagem em seu celular de alguém agradecendo por seu último feito: “Viver do Riso”, série documental que estreou em outubro no Canal Viva e já está em negociação para estrear em canal aberto.
Homenagear os comediantes mais velhos enquanto eles ainda estão “aqui” e deixar um registro na internet que mostre a importância deles e do humor nas questões políticas e sociais de um país foi o mote principal do projeto. Como consequência dessa pesquisa, que envolveu 90 entrevistados, veio o questionamento sobre a valorização do gênero. “A comédia é tão desvalorizada, vista como um gênero menor, mais fácil… porque a crítica é tão desrespeitosa com ela? Por que as mulheres do teatro envelhecem como damas, e as comediantes como palhaças tristes? Para os homens o mesmo, Chico Anysio se fosse americano seria um Chaplin”, reflete Ingrid.
Apesar da comédia ser pouco reverenciada, foi com ela que Ingrid se tornou a atriz mais assistida do cinema – e até por isso ela é a melhor pessoa para discutir a importância do gênero. “Acho que já perdi muito prêmio e já deixei de ser indicada a muitas coisas que merecia. A primeira vez que fui indicada por ‘De Pernas para o Ar’, por exemplo, fui tratada como café com leite, como se fosse um gênero menor pelo fato de ser um tipo de filme mais digerível. Sempre acho que tem um preconceito.” A solução disso ela vê na criação de prêmios direcionados a filmes de humor. “Deveria existir prêmios específicos para comedia já que é tão difícil nos tratar de igual para igual. Nós comediantes temos que nos unir para batalhar pela valorização da nossa arte.”
Ainda sobre a tônica do documentário, completa: “Comediantes são pessoas muito profundas. Para rir de uma situação triste, antes você tem que vivê-la profundamente, depois olhá-la de fora e então rir dela. É preciso ter um olhar crítico sobre a tragédia. Em ‘Viver do Riso’ todos os comediantes, de Jô Soares a Dedé Santana, disseram: ‘o comediante é um ator dramático’. A verdade é que é muito mais difícil fazer comédia do que drama, por isso a maioria deles são pessoas desajustadas, que tem uma certa inteligência para olhar a vida e transformaram situações difíceis em humor. Não que seja fácil, mas a gente tem facilidade em acionar o drama.”
“DE PERNAS PRO AR 3”
Em abril de 2019 ela volta a entreter o grande público com “De Pernas para o Ar 3”, colocando fim em um hiato de seis anos entre o segundo filme da franquia e este. Por que demorou tanto? “Fiquei muito tempo pensando se devíamos fazer o três ou não, me perguntando qual será a discussão a ser abordada. Falar de novo da mulher tentando conciliar o trabalho com a família? Achei que só valeria à pena se ela tivesse uma história para contar”. O ânimo para retomar o projeto veio quando encontraram uma saída. “Qual foi o preço pago pela geração de Alice, que é a minha também, por trabalhar tanto? A geração que vem depois lida melhor com isso? Viemos para provar que a mulher também podia ter sucesso, mas isso teve um preço alto pessoal, físico e emocional”, conta a atriz, garantindo que o filme “fecha muito bem a série.” Desta vez, a trama da workaholic Alice é contada em Paris e, pela primeira vez, com roteiro assinado por Ingrid em parceria com Marcelo Saback (nos outros ela apenas colaborou), e pela primeira vez dirigido por uma mulher, Julia Rezende. “É um filme maduro e muito romântico, fala da coragem em continuar casado, com o que a gente fez com nosso tempo… os filhos crescem e até onde tudo o que foi conquistado valeu a pena?”, explica ela, antecipando o que vamos questionar na sala de cinema daqui alguns meses.
BLOCKBUSTER NACIONAL
Como dissemos acima, Ingrid Guimarães é a atriz brasileira mais pop do cinema atualmente – mais de 20 milhões de pessoas já riram com ela nas telonas. Sua relevância para o cinema nacional é indiscutível em tempos em que a sétima arte passa por uma americanização com o boom dos filmes de super-heróis, o que ela chama de “concorrência desleal”, lamentando que produções nacionais ocupem muito menos salas de cinema. “Os filmes que eu faço, assim como os de Paulo Gustavo, são blockbusters no sentido em que atingem o subúrbio. Não são filmes que só a Zona Sul vê. São filmes vistos por muitos jovens, com nossa língua, nossa cultura, então não deixa de fazer parte da formação do brasileiro. Hoje sou parada na rua a cada cinco minutos por uma criança, muitas vezes temos bilheterias melhores do que os gringos, que tiveram um orçamento muito maior.” Nesse orgulho pessoal há também representatividade. “É uma alegria levar tantas famílias ao cinema, ainda mais no meu caso, como mulher em um universo que ainda é extremamente masculino. Mulheres não tinham vez na vida, que dirá no humor… piadas não eram dadas a mulheres. O que mais me deixa feliz em ser protagonista mulher no cinema é pelo protagonismo feminino na comédia que represento. Agora vejo a importância de ‘De Pernas para o Ar'”.
ALÉM DA CONTA
Ainda nessa nova fase de Ingrid, continuar com o programa “Além da Conta”, que mostra celebs indo às compras no momento crítico em que a economia do país está, pareceu um tiro no pé. “Não cabe mais falar de compras no momento em que estamos vivendo”, conta. A última compra feita por ela é resultado de muito trabalho: “Foi o meu apartamento! Acabei de comprar, estou no meio de uma obra insana, mas essa não foi além da conta. É o patrimônio que sempre quis.” Em maio ela se muda com o marido, o artista plástico Renê Machado, e com a filha Clara, 9 anos, para uma cobertura no Leblon.
“ANNIE – O MUSICAL”
É por “Annie – O Musical”, em cartaz em São Paulo até o dia 26 de janeiro, que ela comemora o próximo prêmio que vai concorrer. “Acabo de saber que fui indicada ao Troféu Imprensa de Melhor Atriz de Musical”. A comemoração não é exagero, uma vez que marca a estreia dela em um musical. A recompensa vem depois de um intenso preparo. “Como não sou cantora profissional, houve uma adaptação para o meu perfil. É preciso um preparo de atleta, fiz aulas de canto durante cinco meses. São seis aulas semanais”, se orgulha. Assim como Miguel Falabella, responsável pela adaptação da Broadway e que também atua na montagem, Ingrid lamenta que “Annie” não vá percorrer outras cidades do país. “Realmente é uma coisa muito grandiosa, dá orgulho de ver que no Brasil é possível fazer uma montagem dessas – são 21 crianças no elenco e um cenário gigantesco. É realmente muito difícil cair na estrada com essa estrutura.” Detalhe: é também no espetáculo que Clara, filha da atriz, faz sua estreia como atriz. “A cada 15 dias ela participa de quatro sessões de ‘Annie'”, conta orgulhosa. “As meninas do elenco têm a idade dela, então acabei fazendo uma roupinha, a colocaram no palco durante um ensaio e foi – agora ela só fala nisso!” Segundo a mãe, a pequena é tímida, por isso ainda não dá indícios de que vá enveredar para o humor. O estimulo vem de casa, mas para o desenvolvimento artístico livre. “Clara faz aula de piano e acabou de entrar no canto. É uma menina tímida – e teatro é bom para isso -, que cresceu nos palcos, então estimulo ela a ser o que quiser. De qualquer maneira, o teatro pode ajudar uma pessoa, independente de profissão. A arte é sempre boa tanto para o crescimento de uma criança quando para a formação de um adulto.”
MORADORA DE RUA
“Já fiz de tudo nessa carreira, então agora quero fazer coisas diferentes”, diz a atriz. Como parte deste momento está “O Sofá”, filme de Bruno Safadi que Ingrid estrela ao lado de Chay Suede – ela na pele de uma professora pública culta que acaba indo viver na rua e ele um pescador analfabeto, que também vive como nômade pelas ruas do Rio de Janeiro. “Foi uma experiência incrível, totalmente diferente de tudo que fiz na minha vida. Todo mundo tem dentro de si um abandono”, conta Ingrid. “Bruno me deu muitas referências de filmes que eu deveria assistir e me entreguei, me joguei no papel. O longa foi rodado por todo o Rio de Janeiro em dezembro de 2017. “Muitas vezes estávamos eu e Chay vestidos como mendigos no Centro do Rio, com a câmera escondida e ninguém notava nossa presença”, lembra. “O Sofa” ainda não tem previsão de lançamento, mas é cotado para ser apresentado em grandes festivais no próximo ano. A história é baseada em duas notícias que abalaram o Rio: a demolição do Elevado da Perimetral, que desabrigou muitas pessoas como a professora interpretada por Ingrid (que recebeu um dinheiro como recompensa mas não foi suficiente para que se realocasse) e uma manchete que seguiu esse fato, de um morador de uma das casas que foram evacuadas, pescando seu sofá em plena Baía de Guanabara. (Por Julia Moura)