Por: Dado Abreu / Fotos: Pedro Dimitrow / Styling: Walério Araújo
Seis décadas de carreira e 16 pinos na coluna não detêm Elza Soares, que, para a crítica, vive momento apoteótico com o disco Deus É Mulher. Apoteose não só musical, aliás. Ela se tornou voz da negritude, do feminismo e do povo. E nesta terça-feira, dia em que a estrela comemora 90 anos, relembramos abaixo a entrevista e o ensaio arrasadores de Elza para a PODER, em maio de 2019. Tudo isso por que ela é sempre atual e merece os nossos parabéns!
Nada é capaz de parar Elza Soares. Uma das maiores estrelas da música popular brasileira, a “cantora do milênio” voltou, de maneira avassaladora, aos palcos em 2015 com o lançamento do premiado A Mulher do Fim do Mundo, seu primeiro álbum de inéditas em mais de 60 anos de carreira. Com ele conquistou novos públicos, gritou pelas mulheres, pela negritude, pelo povo brasileiro e atingiu o que parte da crítica especializada chamou de “apoteose musical”. Desde então, não aquietou. Nem por ordem expressa dos 16 pinos que enquadram sua coluna após uma queda em 2014 e que dificultam, e muito, sua locomoção. “Descanso quando estou acordada”, brinca ela.
A programação de Elza é intensa. Sobretudo para uma jovem octogenária – “Senhora está no céu”, adverte à reportagem. Dias antes do encontro com PODER ela esteve em Quito, no Equador, em evento da ONU sobre o papel das mulheres na América Latina. Antes havia desfilado na Marquês de Sapucaí como destaque da Mocidade Independente de Padre Miguel – a agremiação anunciou que irá homenageá-la no Carnaval 2020. Os compromissos acontecem enquanto ela encontra tempo para encerrar a turnê de Deus É Mulher, o álbum de 2018, e ainda entrar em estúdio para gravar o próximo, o terceiro disco em quatro anos de produção ininterrupta.
“Desta vez o ritmo é mais lento”, conta, como se estivesse fazendo uma mea-culpa por não pensar em desacelerar. O 82º álbum (!), que não será de canções inéditas, deve ser lançado no segundo semestre, antes da gravação de um DVD e da cinebiografia – a atriz Taís Araújo, que interpretou Elza no filme Garrincha – Estrela Solitária (2003), viverá outra vez a cantora nas telonas. No ínterim, apresentações pelos principais festivais do verão europeu e no Rock in Rio. Ufa. “Vou seguir gritando de todas as maneiras porque hoje o silêncio me incomoda. Como dizia Martin Luther King, o ‘silêncio dos bons’”, conta. “Eu vejo o Brasil calado, aceitando o que não pode ser aceito. Quero ver as pessoas de novo nas ruas clamando por justiça.” A indignação no rosto de Elza se revela na mesma semana das prisões do policial militar reformado Ronnie Lessa e do ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Como voz marcante para além do bebop, Elza questiona a morosidade do caso com a pergunta necessária: “Quem mandou matar?”. “Hoje, nós, mulheres, sabemos da necessidade de pegar na mão da outra e fazer uma corrente. Sou mulher e vou continuar parindo com a música. Por Marielle e por todas e todos.”