Com saudades dos shows, MC Carol manda a real: “Melhor que transar!”. À entrevista!

Mc Carol / Crédito: Instagram

Mc Carol é uma mulher de atitude desde que nasceu. Negra, gorda e moradora de comunidade em Niterói, no Rio de Janeiro, aos 26 anos ela relata que a vida nunca foi fácil e infelizmente repleta de racismo e preconceitos. Mesmo assim, ser tratada como ‘diferente’ perante os homens nunca foi algo que ela deixou acontecer. “A primeira lembrança que tenho de quando era criança é metida em uma briga com um menino. A vida da mulher negra e periférica não é fácil desde pequena, e eu não aceitava que me tratem com diferença”, desabafou em papo com Glamurama.

Desde os 16 anos na estrada, a funkeira viu a sua vida mudar com o sucesso de músicas como “Minha Vó Tá Maluca” e “100% Feminista”. De lá pra cá foram diversas conquistas, incluindo um show no Rock in Rio. Além disso, Mc Carol não tem medo de bater de frente com os padrões de beleza. 

Com uma história cheia de reviravoltas, hoje Carolina de Oliveira é uma das principais funkeiras e pode ser vista também no reality ‘Soltos em Floripa’ como comentarista ao lado de Pabllo Vittar e Lexa, e considerada a participante que faz os comentários mais sinceros do trio. A seguir, confira o trabalho sincerão da funkeira, as novidades, bandeiras e tudo sobre a sua história. (por Jaqueline Cornachioni)

Glamurama: Cantar funk sempre foi o seu sonho?

Mc Carol: Não era meu sonho. Acho que naquela época cantar funk não era o sonho de ninguém. Eu queria ser policial e também sempre gostei de desenho, mas me falavam que isso não era profissão e que precisava escolher outra coisa. Com 14 anos saí de casa, larguei a escola e comecei a cantar. Quando fui ver já estava em cima do palco. As pessoas gostavam e pagavam a minha passagem para que eu voltasse para cantar naquele lugar. Depois de um tempo estava no Brasil todo.

G: Você é uma mulher de personalidade forte. Acredita que isso te ajudou a chegar tão longe?

MC: Com certeza. Sempre fui uma criança autoritária e persistente e também não aceitava que me tratassem com diferença. A primeira lembrança que tenho de quando era criança é metida em uma briga com um menino. A vida da mulher negra e periférica não é fácil desde pequena. Lembro que sofria racismo, isso sempre foi algo muito presente. Depois comecei a sentir a questão também de ser mulher, o tratamento diferente. Se algum cara queria me passar para trás eu não tinha medo de enfrentar, bater, brigar, sempre fui assim. 

G: Em suas músicas você fala muito sobre feminismo. Desde quando se considera feminista e qual foi o primeiro contato com o movimento?

MC: O primeiro contato foi em 2016 quando uma letra minha caiu na prova do Enem e estava ligada ao feminismo. Até então eu não tinha ideia do que era o movimento. Achava até que ser feminista tinha a ver com ser feminina e descobri apenas depois o que era. Eu falo sobre o assunto porque eu vivi isso sempre. Costumo dizer que nasci feminista, é algo no meu sangue. Nunca aceitei ser diminuída, sempre briguei e discuti de igual para igual com os homens. O meu feminismo nunca foi de sofá.

G: Você sofreu muito racismo e preconceito ao longo da sua trajetória? Como lida?

MC: Muito. Quando eu tinha 16 anos estava na estrada e todos que trabalhavam comigo eram homens, mais velhos, com família. Então eu sofria bastante por ser mulher, negra, periférica. Eles queriam mudar absolutamente tudo em mim, desde a aparência até as músicas que eu cantava nos meus shows. Chegaram a sugerir que eu não cantasse as minhas músicas, mas do Flamengo, de time, porque era algo que fazia sucesso na época. Eu neguei. Disse que só cantaria as minhas músicas e que, mesmo se ninguém conhecesse agora, um dia iria conhecer. Eu era humilhada, comparada com outras mulheres o tempo todo, a minha autoestima era colocada lá pra baixo. Eles falavam comigo como se eu trabalhasse para eles, e não o contrário. Só muito anos depois que comecei a trabalhar com mulheres negras, mas antes disso acontecer e tudo mudar eu estava por um fio de desistir. Sofria muito e chorava por ter que lidar com isso e com outras questões também. 

G: Você sente que é exemplo para outras meninas?

MC: Para ser sincera, nunca me preocupei muito com isso. A minha trajetória foi muito difícil, precisei passar por cima de muita coisa, então se eu me preocupasse em ainda ser exemplo, nada rolaria. Não podia ficar com a cabeça focada nisso, sabe? 

G: Como é colocar assuntos pessoais nas suas canções?

MC: Ninguém é feliz o tempo todo, é impossível. Mas a vida de uma mulher preta, gorda e periférica é extremamente complicada. Os privilégios para os brancos e padrões não se comparam. O que eu faço, sinceramente, é tirar proveito das situações ruins e transformar em música, é assim que eu sou e que eu vivo. Com isso fui longe. Nunca imaginei chegar no Rock in Rio, por exemplo, nem como cantora, nem como plateia e aconteceu.

G: Você fala sobre sexo de maneira aberta em suas letras. Sente que isso ainda é um tabu?

MC: Com certeza. Parece que as pessoas não estão acostumadas a ouvirem uma mulher cantando sobre isso. Mas homens podem falar abertamente sobre sexo, fazem clipe com várias mulheres nuas e ninguém fala nada. Por que mulheres não podem? Eu sinto que existe muita diferença em relação a isso. Quando eu não ver ninguém questionando uma mulher por ela falar de sexo, eu te digo que finalmente mudou, mas ainda não aconteceu. 

G: Como foi essa experiência de comentar o reality ‘Soltos em Floripa’, ao lado de Pabllo Vittar e Lexa?

MC: Foi incrível, eu adorei tudo e fui muito bem tratada do começo ao fim, tanto pela equipe, como pelos outros produtores. Além disso, são pessoas que admiro então acabo dando uma de fã também. É uma produção enorme, fiquei impressionada. 

G: Você participaria de um reality como o ‘BBB’, por exemplo?

MC: É claro que se eles me fizessem uma proposta muito incrível, não poderia negar. Mas não tenho vontade. Primeiro, eu sou uma pessoa que não traria entretenimento pro programa. Apesar de ter esse meu jeitão, sou bem quieta, tímida. Existe a MC Carol, que no palco fala alto e faz de tudo, e existe a Carolina que fala baixinho e é uma pessoa mais na dela. Segundo, eu sinto que o público coloca os artistas em patamares muito altos, como se fossem perfeitos e quando esses artistas entram em um programa como o ‘BBB’ e mostram de fato como são acabam cancelados. Não é algo que eu quero pra mim. Atualmente não acompanho realities. Já gostei bastante, no passado, mas parei um pouco.

G: Falando agora em quarentena, está com saudade dos palcos?

MC: Nossa, e bota saudade nisso. A energia que o público me manda do palco é muito boa. Foi quando notei que tinha nascido para os palcos, nascido para ser artista. É uma energia que no dia a dia você não sente. Eu acho que é uma sensação melhor do que transar. 

G: Da sua carreira, qual a música preferida ou mais importante?

MC: Tem muitas músicas que eu amo. ‘100% Feminista’, por exemplo, foi uma música que me levou a outro patamar. Agora eu tenho a música ‘Levanta Mina’, que não é só um recado para todas as mulheres, mas para mim mesma. Quantas vezes eu estava quase desistindo e pensava ‘levanta, Carol, você consegue’ ou durante essa quarentena que fiquei desanimada, pra baixo, e precisava me motivar para continuar. Nessa música eu falo muito também sobre gordofobia, que era um tema que eu já queria trazer à tona, é uma música muito especial. 

G: Você teria um conselho para dar a meninas que gostariam de seguir o mesmo caminho?

MC: O meu conselho é não aceitar conselhos, em primeiro lugar. Aqui, o artista é visto como vagabundo, como alguém sem importância. Então, se você quer viver da arte precisa ser sua própria motivação. Segundo, persista. Quem entra no mundo da arte apenas por dinheiro não vai segurar a barra que é. Estou há 10 anos  na carreira e só em 2016 consegui ter um descanso e me sentir mais segura na profissão. É preciso entender que são altos e baixos, e aproveitar os altos para guardar o máximo que conseguir.

G: Quais mulheres te inspiram dentro da música?

MC: Eu sou uma pessoa muito eclética, então tenho várias inspirações. Aqui no Brasil, a Tati Quebra Barraco é uma delas, eu amo e fiquei muito feliz quando a conheci pessoalmente. Também adoro Nina Simone e Amy Whinehouse.

Glamurama: Quando e como começou a sua carreira musical? Cantar funk era o seu sonho?

Mc Carol: Não era meu sonho. Acho que, naquela época, cantar funk não era o sonho de ninguém. Eu queria ser policial e também sempre gostei de desenho, mas me falavam que isso não era profissão e que eu precisava escolher outra coisa. Com 14 anos saí de casa, larguei a escola e comecei a cantar. Quando fui ver, já estava em cima do palco. As pessoas gostavam, e pagavam a minha passagem para que eu voltasse para cantar naquele lugar. Depois de um tempo estava no Brasil todo.

G: Você se lembra de alguma situação marcante do seu começo de carreira?

MC: Foram tantos. Quando comecei, cantava em comunidades, muitas delas perigosas e eu era uma menina de 16 anos. Às vezes não recebia o dinheiro e nem podia reclamar. Já aconteceu de marcarem um show longe do Rio de Janeiro, cerca de seis horas de viagem, e quando cheguei lá cancelaram e não pagaram nada, todo o dinheiro gasto na viagem se foi. Era bem frustrante. 

G: Pensava que chegaria tão longe?

MC: Nunca, de jeito nenhum. Falavam que o funk não me levaria a nada, ninguém me apoiava. Eu era uma menina de 16 anos na estrada cantando funk, fazendo as músicas que faço. Mas fui sem olhar pra trás, mesmo sem saber se teria futuro. Arrisquei. Também não esperava que teria uma carreira de 10 anos, mas tinha uma esperança dentro de mim, uma voz que me falava para continuar.

 

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