Às vésperas das eleições, Daniela Mercury solta o verbo: “Nossa democracia e a vida das mulheres estão em risco!”

Daniela Mercury || Créditos: Mario Cravo Neto/Divulgação

A menos de duas semanas das eleições presidenciais, Daniela Mercury está preocupada. Diria que até um pouco triste com a situação do país. “Minha adolescência foi na ditadura e o samba, nosso manifesto maior, havia sumido. Ele sempre foi marginalizado, considerado música de minoria”, lembra ela que acaba de lançar o clipe-protesto “Samba Presidente”, seu mais direto manifesto político até hoje. O vídeo, que se passa nas ruas de Salvador, é puro empoderamento, trazendo a drag queen Petra Peron no papel de Daniela, e coloca o povo no comando do país. Como a cantora pretende impactar o eleitorado com a música, o que ela pensa sobre o movimento #EleNão e sobre a necessidade do artista se posicionar em um momento como esses, você confere abaixo, em entrevista exclusiva para o Glamurama.

Glamurama:  O vídeo de ‘Samba Presidente’ é lançado 15 dias antes das eleições presidenciais. Qual impacto você acredita que ele pode ter sobre o povo brasileiro?
Daniela Mercury: “É um clipe completamente fora da caixinha no sentido de ser fora de mim, mas ao mesmo tempo me representar tanto. Como sempre, buscamos traduzir sonho, desejo e expectativa. Para artistas que gostam de dialogar com seu tempo, de buscar dificuldades e profundidade, há sempre o que falar. ‘Samba Presidente’ é uma referência ao ‘Samba da Minha Terra’, de Dorival Caymmi – Quem não gosta do samba bom sujeito não é/Ou é ruim da cabeça ou doente do pé. Minha adolescência foi na ditadura e o samba, nosso manifesto maior, havia sumido. Sempre foi marginalizado, considerado música das minorias. Nos anos 1970 discos foram recolhidos… O samba foi muito censurado. Em 1992, Beth Carvalho me abraçou chorando durante um show que fiz no Canecão e disse: ‘Você devolveu o samba aos pés do Brasil’. Quando compus ‘Samba do Presidente’, há um ano, percebia um ambiente confuso no que diz respeito às opiniões que as pessoas têm sobre o país. Independente de política partidária, falo de ideologias que nos regem. Sou embaixadora da Unicef há 22 anos, filha de assistente social… sempre fui porta voz do meu povo.”

Glamurama: Destaque outros momentos em que sua luta social e sua carreira artística impactaram o país. 
Daniela Mercury: “Recebo hoje retorno de músicas feitas há mais de 20 anos. ‘Não entendia muito aquele discurso seu’, elas vêm me falar sobre “O Canto da Cidade”, “Ilê Pérola Negra” e “Swing da Cor”. Ao longo desses anos existiram muitos ‘brasis’, que nem sempre se conhecem e dialogam entre si. A arte faz a gente se conhecer, estabelece diálogos. Coincidentemente, quando lancei ‘Swing da Cor’, no começo dos anos 1990, lutávamos pelo impeachmant de Fernando Collor. O Brasil começava a cantar de novo o amor por si mesmo. ‘A cor dessa cidade sou eu, o canto dessa cidade é meu’ representa o povo falando de si mesmo. Todos estavam tristes com o Brasil e foi preciso manter o amor por nós mesmos.”

Glamurama: Diferente de outras de suas músicas, você acredita que ‘Samba Presidente’ pode ser compreendida pelo povo em tempo real?
Daniela Mercury: “Acho que é uma canção bem direta e cheia de metáforas, que tem a intenção de alertar o povo. Quero que as pessoas sejam representadas, seja com que candidato for. Embora um deles [candidato] não deva representá-las porque não condiz com as regras mínimas de uma democracia.”

Glamurama: O movimento #Elenão ganhou muita força nas redes sociais. Como uma apoiadora, qual a sua opinião sobre ele?
Daniela Mercury: “Vivemos em um país democrático e eu como mulher casada com uma mulher, se não me sinto respeitada por qualquer candidato, é obvio que tenho o direito de me manifestar. É um direito meu de liberdade de expressão. Uso minhas redes sociais para me manifestar sobre vários assuntos. Um candidato que para mim não deveria nem estar concorrendo, pela forma que se manifesta, contra os negros, contra as mulheres e contra os gays, que diz o que diz, não condiz com a realidade de um país livre e democrático. É uma ofensa às pessoas. Para mim isso já seria o bastante para que ele fosse inelegível. Essa é a primeira vez na minha vida que me manifesto contra um candidato. A situação é gravíssima e acho que isso é necessário. Nossa democracia e a vida das mulheres estão em risco. Somos o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Temos um histórico de totalitarismo que ainda estamos vencendo, aprendendo a viver com a diversidade, e eleger um candidato que apoia tudo isso seria um retrocesso imenso. Eu, uma mulher que sempre lutou contra o racismo, não posso aceitar um candidato racista e extremamente violento com toda a comunidade LGBT.”

Glamurama: Qual sua mensagem para o eleitor? 
Daniela Mercury: “Votar é uma maneira importantíssima de decidir quem vai nos representar, mas a nossa função democrática não começa e nem termina no voto, ela é contínua e se estende a todos os pontos fundamentais da constituição. No ano em que estamos comemorando 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos isso deve entrar em questão. Tudo o que nos sustenta democraticamente está imposto, nossas leis já existem, então não devemos deixar essa responsabilidade apenas na mão dos políticos. E é extremamente importante que nós mulheres estejamos juntas nas ruas no dia 29, porque somos nós que estamos fragilizadas, na berlinda.”

Glamurama: Você vai marcar presença na manifestação?
Daniela Mercury:
“Sim. Vou estar em Salvador, me deslocando de um lugar para outro.”

Glamurama: Nesta semana você desafiou Anitta a apoiar o movimento após ela ser criticada pela comunidade LGBT por não ter se manifestado ainda…
Daniela Mercury: “Ela já havia falado das coisas que ela acredita. A gente sabe que ela não apoia nenhum tipo de discriminação. É uma artista interessante, está em um momento muito forte de sua carreira e foi muito corajosa. É difícil para todos nós nos manifestar pois estamos sendo muito ofendidos. Arte é amor, artistas não estão acostumados a ser maltratados e sim a fazer as pessoas felizes. Mulher quando se manifesta sobre qualquer coisa, já mandam calar a boca… e as ofensas são muitas, às vezes de forma mais sutil, às vezes de forma mais direta.”

Glamurama: Como você lida com os ataques online? 
Daniela Mercury: “Grande parte dos que se manifestam nas minhas redes são fãs, mas também há muita agressão. Não estamos acostumados com isso, a rede social está nos ensinando lidar com esse outro lado. Quando comecei minha carreira, recebia cartas das pessoas falando sobre o que achavam sobre vários assuntos, e as respondia, apesar de não poder me estender tanto. Hoje o retorno é imediato. Acho a internet espetacular, não me importo com o que as pessoas falam, assim eu compreendo melhor o meu país, mas seria melhor se fossem pessoas de verdade e não ‘máquinas’. Acho saudável para a democracia que o povo se mostre, possa perceber o mundo em que vive. Fica mais fácil.”

Glamurama: Para as mulheres que apoiam o Bolsonaro, qual é seu recado? 
Daniela Mercury: “Diante de um Brasil tão machista, porque vocês estão fazendo isso, já que apoiar esse candidato é se fragilizar?”

Glamurama: Mudando de assunto. Como estão os preparativos para o Carnaval 2019?
Daniela Mercury: “Já tenho ideias na minha cabeça, mas não estou conseguindo falar muito disso ainda. Estou compondo novas canções e espero que ‘Samba Presidente’ chegue forte lá. Quero fazer um Carnaval de fortalecimento, com esse espírito de empoderar a população, mas, dependendo de quem for eleito, posso mudar de tom: pode ser mais crítico ou mais leve. Vou cantar em Salvador e em São Paulo, e espero fazer as pipocas. O Carnaval da Bahia é fantástico porque junta pessoas de todos os lugares do mundo, como se não houvesse separações. Sempre reforço esse caráter que a festa propõe, de quebrar as distâncias.” (Por Julia Moura)

Assista abaixo o clipe de “Samba Presidente”.

 

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