“Não acredito em vida após a morte, mas precisava contar isso para ela”, diz Karim Aïnouz ao dedicar filme autobiográfico à falecida mãe

Por Bob Wolfson

O título é contraditório, mas é assim que o cineasta Karim Aïnouz se sente depois de lançar o filme autobiográfico, “O Marinheiro das Montanhas” . O longa filmado na Argélia é um diário da viagem que durou dois meses em que o diretor brasileiro relata detalhes da sua aventura no país de nascimento de seu pai, Majid Aïnouz. Finalizado no início de 2019, os registros resultaram em uma salva de palmas de 15 minutos no Festival de Cannes, realizado em maio deste ano.

Na obra, o cineasta traça uma relação entre a história de amor de seus pais, a guerra pela independência argelina, memórias de sua infância e os contrastes entre a região de Cabília, no país africano, e Fortaleza, cidade natal de Karim e de sua mãe, Iracema, que já morreu.

Divulgação

“Não acredito em vida depois da morte, mas achei que precisava contar isso para ela [sua mãe]. Se ela não estiver escutando, tudo bem. Acredito que todo mundo que ficou em lockdown teve uma imersão de si mesmo, do seu passado, do seus próprios acervos. Isso contaminou o filme”

Karim Aïnouz

Em conversa com GLMRM, o cineasta de 55 anos revela que saiu de sua zona de conforto por ser um filme muito íntimo, o seu primeiro neste formato. “Me perguntei o tempo todo se isso interessava aos outros. ‘Será que não interessa só a mim?’, me questionei. Outro ponto foi retratar a década de 1960, um momento em que meus pais se encontraram e que foi de tanta alegria e esperança. Precisei falar sobre isso em um ano no qual a gente passou por tanta tristeza”, afirma.

A princípio, o intuito não era documentar o encontro com suas origens. “Foi muito importante desvendar esse país para mim, e consequentemente para o mundo, em uma viagem que sempre pensei em fazer e que era válido documentar. Foi bonito fazer um projeto assim, geralmente passamos anos para escrever uma história de ficção e depois encontrar um lugar, personagens…”, relata.

Karim pretendia voltar para a Argélia em 2020 para filmar mais, mas com a pandemia a obra tomou outra direção. “Foi virando algo pessoal sobre minha memória do passado. Fiz de uma maneira muito livre e só depois organizei, o que foi muito inspirador”.

Divulgação

Relação com o pai

Karim não teve muita uma proximidade com o pai ao longo da vida e também não conta muitos detalhes dessa relação, mas a sua ida para a Argélia está relacionada ao “acordo” de que a família tinha de morar em seu país, o que não se concretizou. Por mais que tenha visitado o país de origem do pai, Karim comenta que ainda não mostrou o filme para ele. “A nossa relação mudou, mas não para que a gente fique mais próximo. Não encontrei com ele depois que voltei da Argélia, até por conta da pandemia. Fiquei mais próximo do local que ele veio, não necessariamente dele, mas passei a entender de onde veio e as escolhas que fez.”

“Algo curioso é que as relações de amor e afeto se dão através da história, dos contatos que temos. Não fui criado com meu pai. Essa coisa da paternidade é meio fantasiosa, ele foi o ex-marido da minha mãe, um cara que gosto e tudo, mas a viagem me fez entender que minha mãe é muito mais meu pai do que ele”

Karim Aïnouz

Amizade entre diretores

O diretor, que trabalhou com Wagner Moura em “Praia do Futuro” (2014), diz que ainda não viu Marighella”, primeiro filme dirigido pelo ator, que será lançado no Brasil no dia 4 de novembro. “Estou esperando ansiosamente esse momento e em contato com o Wagner. Fico feliz que o filme vai lançar. Tenho uma sensação muito esquisita passando pelo meu coração esses dias, também por conta da Mostra Internacional de Cinema e da volta ao cinema, de que a gente está começando uma nova era no Brasil”, afirma.

“A vida, às vezes, escreve certo por linhas tortas. É muito frustrante o filme não ter sido lançado ainda, mas sinto que ele está vindo para abrir uma ‘porteira’ no país. As pessoas estão curiosas, com fome de ver a história de alguém que estava lutando por um país melhor. Sinto como uma espécie de onda positiva”

Karim Aïnouz sobre “Marighella”
Divulgação

Futuro

“Firebrand” é o novo terror psicológico do diretor brasileiro. O longa em produção será ambientado na Inglaterra da violenta dinastia Tudor (1485 DC) e reconstruirá a história da rainha Catherine Parr, sexta e última esposa de Henrique 8º. No projeto, que começa a ser rodado no início de 2022, os atores Jude Law e Michelle Williams serão protagonistas.

“A Michele tem algo especificamente especial para esse personagem da Catherine. Ela tem algo absolutamente delicado e de uma fortaleza gigante. Apesar de pequenininha na estatura, ela tem força e foi por isso que me interessei pelo percurso dela”, elogia o diretor.

“Ela nunca é maior do que os personagens dela”

Aïnouz Karim sobre Michelle Williams
Sair da versão mobile