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Céu
Foto: Cássia Tabatini

Em toda discografia, Céu sempre flertou com o repertório alheio e o papel de crooner. Cantora de muitas vozes, compositora de várias sonoridades, desde o seu primeiro álbum, em 2005, trouxe canções consagradas por outros artistas revisitadas com o peso da sua identidade musical – Bob Marley, Luiz Melodia, Bosco e Blanc para ficar em alguns. Desta vez ela optou por um projeto exclusivo de covers. Um Gosto de Sol, lançado nesta sexta-feira (12), é o primeiro álbum de Céu inteiro como intérprete, um desejo antigo que permaneceu adiado por anos devido a produção autoral acelerada que resultou em cinco discos, uma carreira internacional consolidada e três prêmios Grammys. 

“O projeto inicial, quando optei pela música, era ser cantora, intérprete. Mas comecei a escrever e me identificar com a criação, com as melodias, harmonias, a parte rítmica, e com isso meu comprometimento artístico acabou indo além do cantar”, diz em entrevista ao GLMRM. “Acho que no fundo precisei desses anos todos de carreira para firmar minha personalidade, para dizer quem eu sou e poder juntar em um disco Beastie Boys e Alcione.”

Foto: Divulgação/Érico Toscano

O título do álbum reproduz uma das 14 faixas do repertório gravado pela cantora paulistana com produção musical do baterista Pupillo – companheiro de Céu na vida e no som – e a participação de figuras como Hervé Salters, tecladista do grupo General Elektriks e arquiteto dos dois álbuns anteriores – Tropix (2016) e Apká! (2019) – e Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura e responsável pelo violão de 7 cordas. Um Gosto de Sol, composta por Milton Nascimento com Ronaldo Bastos, é uma das pérolas da MPB apresentadas no antológico Clube da Esquina (1972). “Escolhi essa música para batizar o álbum pela grandiosidade dela, uma potência estrutural, harmônica, melódica e de letras. E também por falar sobre um desejo de sol, que é tudo o que a gente quer depois dessa pandemia”, conta Céu. 

O primeiro single lançado é “Chega Mais”, gravada originalmente por Rita Lee e Roberto de Carvalho, em 1979, no LP que inaugurou a carreira solo da rainha do rock. O samba, em diferentes fases, aparece com múltiplas roupagens: de Ismael Silva (“Ao Romper da Aurora”) a João Gilberto (“Bim Bom”), passando por Alcione (“Pode Esperar”), a dupla Antonio Carlos e Jocafi (“Teimosa”) e o grupo Revelação (“Deixa Acontecer”) – no disco um dueto reggae com Emicida. Do cancioneiro internacional Céu desconstrói Jimi Hendrix, na versão quase bossa psicodélica de “May This Be Love”, “Paradise”, o hit mundial de Sade em 1988, “Criminal”, de Fiona Apple, e “I Don’t Know”, dos Beastie Boys.

“Quis trazer camadas minhas que o público pouco conhece. Me ligam ao reggae, à Jamaica, soul, rap, mas ninguém sabe que eu gosto de pagode”, revela a cantora, ressaltando a importância de ter dividido a escolha do repertório. “Em um trabalho autoral você fica muito ensimesmado, contando uma única história, e ter pessoas de fora ajudando na curadoria me permitiu furar um pouco a bolha e sair da caixa. ‘Feelings’ [Maurice Albert], por exemplo, é uma música que eu jamais teria selecionado, mas sabendo que eu sou cafona, que gosto de um karaokê, eles sugeriram”, diz sobre os músicos companheiros na gravação, além de Marcus Preto e o pai de Céu, Edgard Poças, maestro e compositor, responsável entre outras coisas pelos arranjos do grupo Balão Mágico.

Foto: Divulgação/Cássia Tabatini

Depois dos dois últimos álbuns carregados em beats sintéticos, uma das marcas de sua carreira, Céu procurou desta vez soar mais orgânica na produção. Para isso, fez do violão de nylon protagonista e contou com a participação inesperada de Andreas Kisser, guitar hero do metal, que não apenas topou o convite, como aprendeu a tocar violão de 7 cordas para gravar as 14 faixas do disco. “Nós buscávamos a presença de um violão forte, marcante, e um dia o Andreas apareceu em uma rede social tocando chorinho. Aquilo foi perfeito. Ele foi demais, tomou o projeto para si, é um baita violonista. A galera do metal é outro nível.”

Para Céu, Um Gosto de Sol surge da necessidade de compartilhar referências em um projeto que tem como objetivo criar laços e transmitir amor. “O meu lugar mais seguro, que mais prezo e me deixa acesa por dentro é a música. Recorro a ela para me sentir bem e em um momento de crise mundial, de violência, luto, óbito e tristeza, cada um teve a sua forma de encontrar o chão e o meu foi recorrendo à música, aos meus ídolos, às coisas que amo e entre elas todas essas canções.”

TRACKLIST por CÉU

“Chega Mais”, Rita Lee

“Tinha certeza que eu tinha que ter algo da Rita Lee. A Rita é uma grande ídola, é uma referência. Ela é o retrato da cidade de São Paulo que deu certo. Onde a Pompeia – bairro que eu vivi um período com minhas grandes amigas – é mais rock, onde São Paulo é mais rock, onde as ideias vêm em forma de gota de colírio alucinógeno (Risos). Porque o Brasil me obriga né? Enfim, Rita é mulher, é feminismo, é liberdade, é rock, é o Tropicalismo, e é extremamente brasileira também”.

“I Don’t Know”, The Beastie Boys

“Quando eu comecei a me descobrir como compositora, eu tinha 18 anos e estava passando uma temporada em Nova York. Tenho a impressão de que eu era vizinha do MCA, dos Beastie Boys, no Lower East Side, porque eu o via todo dia de patinete. Já era muito fã de Beastie Boys naquela época então ficava com aquele olho de    curiosidade. E depois que eu gravei essa canção é que eu descobri que exatamente naquele ano de 1998-1999 eles tinham retornado a Nova York para gravar o “Hello Nasty” – que é exatamente o álbum que tem a canção que eu gravei no disco. Achei isso muito curioso e fiquei feliz em trazer e enaltecer esse trio punk, que depois se descobriu no rap, brancos e judeus compondo uma bossa nova. Tem algo nisso que me atrai profundamente”.

“Deixa Acontecer”, Revelação

“Bem, o pagode estourou no Brasil na década de 90. E não é para menos, os caras trouxeram o samba em outro formato, mais popular, romântico e pop. Eu amava. Gostava de dançar, de cantar. Acho que foi uma das primeiras vezes que me revelei publicamente cantando. Foi quando eu estava em um ônibus em Porto Seguro, na Bahia, com vários adolescentes da minha idade. A gente tinha uns 15-16 anos, em uma excursão. Tinha um microfone aberto no busão e eu cantei várias músicas do pagode. Queria muito trazer alguma coisa do pagode para o álbum, e o mais incrível de tudo é poder ter um feat do meu ídolo maior, um cara de extrema importância para a revolução social que o Brasil tem que fazer, porque a gente está ainda no capitulo um. Mas eu acredito muito toda vez que eu escuto esse cara, que é o Emicida. Imagina a honra para mim dividir um track com esse cara, e ainda numa canção extremamente popular, extremamente brasileira, que todo mundo reconhece. Quantas vezes eu já cantei essa música, quantas vezes eu já ouvi versões dessa música. Então eu me permiti trazer um pouco da minha versão, junto com o Emicida”.

“Paradise”, Sade

“É uma referência enorme. Meu pai sempre fala que acha que eu comecei a cantar por causa dela. Por que ele lembra exatamente o dia que me deu Love is Stronger Than Pride e eu fiquei trancada no quarto escutando. Acho que foi através da Sade que eu tive contato com outro tipo de fazer música. Antes tudo era dentro de um formato muito intérprete no Brasil, isso dentro do meu conhecimento porque era muito pequena, devia ter 10 anos. E, de repente, chega uma mulher lindíssima cantando as coisas da vida e compondo, meio que sendo uma banda, mas não era uma banda, era ela. Mostrando a possibilidade de um outro mundo cantando com um timbre mais quente, mais baixo, ao mesmo tempo com muita personalidade e potência. Isso me cativou profundamente. Acabei escolhendo essa icônica que é “Paradise” – super desafiadora, afinal isso é um hino. Me abri a brincar com as canções e tirar elas dos lugares de ícones e botar elas em outros formatos. Afinal, eu sempre acreditei que música é para a gente cantar. Sade na veia”.

“Pode Esperar”, Alcione
Na minha opinião é a maior cantora do Brasil de longe. É uma potência. É indescritível. Não só como voz, mas como mulher, com toda potência da feminilidade que ela traz. Rasgada. Acho que como mulher eu me vi na fala dela, nessa letra, e me emocionei. Eu não conhecia essa música; eu conhecia o disco, e algumas do disco, mas não conhecia essa. Quando eu ouvi me apaixonei muito pela música. Fiquei no repeat durante a pandemia, ouvindo direto, e quis gravar mais um samba da potência e da grandeza da Marrom.

Dado Abreu é editor da PODER, mas antes de ter uma agenda cheia de contatos de CEOs, executivos e políticos, escrevia sobre música. Colaborou para veículos como MTV Brasil, Rolling Stone e revista Trip e do jornalismo cultural guarda a lembrança do dia em que tomou caipirinha com os Beastie Boys na suíte presidencial do Hotel Marina – ‘…quando acendeee ♫♬… ’ – e do chá da tarde que desfrutou na casa do mestre Paulinho da Viola.

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