Para o carioca Mateus Maia, mais conhecido como O Bastardo, a frase “minha vida mudou de uma hora para outra” não é força de expressão. Na sua trajetória ainda curta, ele viu muitas dessas viradas acontecerem, dignas da ficção.
No começo de 2021, por exemplo, Bastardo estava em Paris, tinha acabado de se separar e, sem dinheiro, havia se mudado oito vezes de casa, muitas das quais morou de favor por algum tempo. A sorte começou a mudar “do nada”, como gosta de dizer o artista.
“Em um dia eu estava na rua, em Paris, com minha mala, sem lugar para dormir e duas semana depois eu tinha vendido três telas, uma delas para uma das coleções de arte contemporânea mais importantes da Europa”, lembra.
“Do nada” talvez não dê conta do percurso que Bastardo já vinha trilhando há alguns anos nas artes. O artista de 24 anos gosta de afirmar que não teve apadrinhamento, que foi tudo “orgânico”, com “a galera preta se identificando e compartilhando”.
Mas o fato é que suas pinceladas à mostra e brilho neon, numa pintura que elabora questões de autoestima e representatividade da população negra em séries como “Pretos de Griffe” — retratos inéditos de ícones da indústria cultural, como Kanye West e Mano Brown — chamaram a atenção. Foram 15 dias entre não ter onde morar na França e fechar com o ateliê que representa ele até hoje no Brasil, a Casa Triângulo.
“Eu estou fazendo o impossível há quase um ano, mudei completamente de vida e virei uma referência. O impossível não existe se você acredita.”
O começo
Mateus Maia nasceu em Mesquita, na Baixada Fluminense. Criado em uma família de ex-militares, com zero conexão e apreço por arte, lembra que enfrentou muitos desafios desde cedo, tendo que amadurecer e tomar conta da irmã mais nova. Mas também que tinha, desde sempre, uma inquietação, de onde vem o nome artístico.
“Eu era o ovelha negra da família, larguei a escola e fazia grafite”
A mãe atravessava a cidade para trabalhar como secretária na Escola de Arte Visual do Parque Lage, no Jardim Botânico. Ao ver o filho grafitando pelas ruas de Mesquita, não pensou duas vezes em tentar desvencilhá-lo daquilo e levá-lo para um lado da arte que fosse mais “seguro”. Conseguiu uma bolsa de estudo de um semestre na instituição para o filho estudar videoarte.
Até então, Mateus era o típico menino nerd, caseiro e que gostava de programação na periferia. Foi assim até o final da adolescência, quando começou a andar de skate e a ter contato com a rua e com o grafite. “Comecei a ter contato com essa parte da cultura que normalmente não prestamos tanta atenção. Eu estava no ensino médio e tinha mania de ficar fazendo caligrafia pensando no que eu via na rua compulsivamente durante as aulas.”
Aos 18 anos, então, Bastardo foi estudar videoarte no Parque Lage. Chamou atenção logo na primeira aula, e a professora Suzana Queiroga o convidou para fazer o curso de pintura e desenho. Sem contato até então com museus ou galerias, o adolescente rebelde não via conexão entre o grafite das ruas e a arte institucionalizada, que não fazia o menor esforço em se conectar com gente como ele. “Aceitei porque tenho o hábito de fazer coisas que detesto. Queria ver qual era e acabou que me apaixonei.”
Sem os limites do muro, o artista disse ter enxergado que poderia produzir suas obras aonde estivesse, independente do suporte. Continuou estudando no Parque Lage por quatro anos, sempre por meio de convites. Em 2019, foi aprovado no curso de formação.
Conexão França-Brasil
Mas o que levou Bastardo à França, na verdade, não foi a carreira ascendente nas artes. Na época casado com uma francesa, decidiu que assim que se formasse faria uma viagem para conhecer os sogros. O que ele não contava é que teria uma pandemia no meio do caminho.
Preso nos Alpes franceses, começou a produzir em uma mesa digitalizadora. Explorou o mundo das intervenções em foto, elaborando a intervenção digital com pintura. Mas aproveitando que estava em terras francesas, resolveu se candidatar a uma vaga na prestigiada Escola de Belas Artes de Paris, na qual passou como o único intercambista das Américas.
“Eu nem pensava em viver de arte, achava que o espaço para isso seria muito difícil, por conta da minha origem, por falta de apadrinhamento, por não ter grana. Nunca achei que fosse uma opção para mim.”
Colhendo frutos
Há sete anos produzindo, O Bastardo conta que durante seis não teve retorno, apoio ou reconhecimento. O jovem artista ainda estranha ser reconhecido pelas obras que produziu desde garoto, como maneira de expressar o que sentia. Foi assim quando chegou a São Paulo e foi convidado para conhecer a Pinacoteca, o Centro Cultural Banco do Brasil, o Masp pelos diretores dessas instituições. “São pessoas e situações que eram de uma realidade muito distantes da minha”, diz.
Há quase um ano na cidade, o artista tem duas individuais para fazer ainda este ano e agora se permite sonhar grande, como o desejo de um dia ver uma de suas obras no MoMA, em Nova York.
“Sempre falo que para conseguir o que você quer não tem fórmula, ainda mais nesse meio. Você tem que ser obcecado pelo o que está fazendo e isso não é algo que você pode criar, ou tem ou não tem.”