Um sonho guardado há mais de 10 anos que se tornou realidade por meio do cinema. O documentário “Um Samurai em São Paulo”, produzido e narrado por Débora Mamber, é um dos destaques da 46° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e resgata a história do sensei Taketo Okuda, conhecido como o “samurai de Pinheiros”, um mestre das artes marciais que viveu em São Paulo e com quem ela conviveu.
Desde que a produtora começou a frequentar a academia Butoku-kan, em Pinheiros, ela sentia que o ambiente a fortalecia em todos os sentidos, principalmente quando se dava conta que a idade do samurai não era um problema, já que se tornava mais forte a cada ano. Ao GLMRM, Débora contou que a busca constante, tanto quanto a energia e o entusiasmo que ele colocava em sua prática diária foram sua fonte de inspiração para o projeto.
Independente da prática diária do esporte, a produtora passou a se entusiasmar com as histórias que contavam sobre o mestre. “Sensei Okuda foi um discípulo de Nakayama, o grande responsável por difundir o estilo shotokan (que é ainda hoje a arte marcial mais praticada no mundo) no Ocidente. Queria saber mais, ficava curiosa, mas como mulher e uma iniciante, aquele era um universo fechado pra mim”, lembra.
Em 2013, no entanto, um fato inesperado mudou tudo: a morte súbita de Tetsuo Okuda, filho do mestre samurai e seu professor na época, aos 38 anos, fez com que, mesmo triste com a perda, Débora começasse a produzir o filme diante da possibilidade da história de Sensei ser perdida por não ter um sucessor que a contasse.
“Sinto que figuras como a de Okuda são cada vez mais raras. Hoje os discursos agressivos e bélicos geram engajamento, quanto mais se ataca o outro, mais te aplaudem. O que Okuda ensinava era o oposto disso. Por isso, precisamos mais que nunca de exemplos como o dele. Meu desejo é que o filme possa transmitir essa energia e força para as futuras gerações”, diz.
Para a documentarista, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é o local perfeito para estrear o filme, tendo em vista que foi a cidade onde o mestre se estabeleceu, quando chegou do Japão na década de 70, em missão da Associação Japonesa de Karate, para disseminar no país o estilo shotokan no país.
“Chegar a um festival tão importante como a Mostra é um sonho e um reconhecimento de uma batalha de dez anos. Fazer cinema autoral independente, e ainda um documentário, que é um gênero menos “pop”, num país como o nosso, exige muita resiliência. Essas são as nossas histórias, e precisamos ter espaço para contá-las”, afirma.
‘Hostilidade é fraqueza’
Lançar o filme em meio à ausência de políticas públicas de incentivo à cultura no país também foi outro fator que adiou a estreia do longa. Mas Mamber acredita que sua história está totalmente conectada ao atual cenário político do país. Para a produtora, a mensagem do mestre é ainda mais necessária numa sociedade “que carrega uma hostilidade imensa, com discursos que demonizam o outro”.
“Pra mim, pessoalmente, isso tem uma importância imensa, porque sou neta de sobreviventes do Holocausto. Okuda nasceu em plena Segunda Guerra Mundial, viveu a infância num país destruído por duas bombas atômicas. Tornou-se um grande guerreiro, ninguém queria estar frente a frente com ele numa luta, mas ao mesmo tempo ele era o oposto da agressividade”, relembra.
“Okuda dizia que demonstrar hostilidade é sinal de fraqueza. Ele nos ensinava a sermos mais fortes, mas o objetivo nunca foi atacar o outro, porque ele entendia que essa força vinha de uma conexão profunda com a natureza, com o universo. Penso que essa mensagem precisa ressoar, para que nos ajude a superar esse momento.”
O filme, distribuído pela Elo Studios, será exibido na terça (25), às 20h15, durante a programação da 46° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.