Nos últimos dois anos aumentaram as buscas pelos filmes com enredo ficcional sobre pandemias, desastres naturais e biológicos e a ideia de “fim do mundo”. Embora produzidos anos atrás, longas como “Epidemia” (1995), “Contágio” (2011) e “Flu” (2013) com tramas que mostram circunstâncias semelhantes a que vivemos com a Covid-19, como, por exemplo, o medo da população com o vírus contagioso, a importância do isolamento, a busca pela vacina e a articulação de autoridades tiveram um crescimento considerável de audiência. Essas histórias sempre foram uma espécie de obsessão para Hollywood e com retorno mais do que justificável. Só “Epidemia” arrecadou US$ 189,9 milhões (R$ 998 milhões na conversão atual) em bilheteria.
Mas depois de vivermos essa história na prática, será que as pandemias continuarão sendo pano de fundo para a indústria do cinema? Quem responde é a cineasta Iuli Gerbase, responsável pelo longa “A Nuvem Rosa”, que “previu” o coronavírus: “O cinema é uma arte que faz as pessoas entenderem melhor os sentimentos e os dramas dos seres humanos, seja de um país distante ou de nós mesmos, então procurar filmes que se relacionem com o caos que estamos vivendo é compreensível”, explica Gerbase.
O primeiro longa-metragem dirigido por ela, idealizado em 2017 e filmado em 2019, ou seja, antes do coronavírus dar as caras, traz a ideia de uma nuvem tóxica que mantém as pessoas presas em casa sob o risco de morte caso tenham contato com o ambiente externo. Um retrato quase fiel dos dias atuais, tanto que foi destaque no Festival de Sundance de 2021 e alcançou 100% de aprovação no “Rotten Tomatoes”, site americano que compila todas as críticas e avaliações destinada aos filmes, séries, novelas e programas de TV.
A cineasta afirma que começou a escrever o roteiro no mestrado de Escrita Criativa (2017) e, particularmente, não sentiu necessidade de buscar referência em filmes trágicos, já que “A Nuvem Rosa” supriu essa demanda. “Comparei as obras “O Anjo Exterminador”, do Buñuel, “Entre Quatro Paredes”, do Sartre e “E Não Sobrou Nenhum”, da Agatha Christie, pois todas possuem personagens que estão confinados contra a vontade”, relembra.
Ideia original
A concepção do longa era mostrar um casal, Giovana (Renata de Lélis) e Yago (Eduardo Mendonça), que depois de uma noite de sexo causal se viu obrigado a viver o isolamento juntos, o que faz a dupla refletir sobre os planos de vida e a sobrevivência diante de um futuro incerto e desconhecido. Mas, ao invés da ficção romântica, a história jogou luz na realidade vivida desde 2020. “Pode ser que ainda leve um tempo para conseguirmos ter um distanciamento sobre tudo isso, refletirmos com calma e termos novas perspectivas de tudo que vivemos até aqui com a pandemia”, diz Iuli.
“A Nuvem Rosa”, assim como outras produções lançadas nos últimos dois anos que trazem a pandemia do coronavírus em suas narrativas, são importantes para a conscientização e identificação do público com a realidade. Seguindo esse raciocínio, duas delas tiveram grande importância: a série médica “Sob Pressão”, do Globoplay, que mostrou a dura e cruel realidade vivida pelos médicos no auge do contágio da doença; e a novela “Amor de mãe”, da Globo, que foi paralisada por conta da pandemia e na volta retratou o distanciamento social e as medidas de segurança que passaram a fazer parte da rotina dos personagens, assim como da população com o uso de máscara e álcool gel.
O futuro
Os relatos sobre a pandemia devem continuar fazendo sucesso e não apenas em séries sobre o tema. Para Iuli, a novidade, que deve virar tendência, é justamente o oposto: “Já há documentários a respeito dos negacionistas que não acreditam na vacina, nos médicos ou na ciência e que fizeram sucesso, como “A Terra é Plana” (Behind the Curve), e agora a ficção “Don’t Look Up”. Mas acredito que esse assunto ainda vai ser bastante explorado.”
Já no futuro, quando esse momento passar, deveremos ver uma quantidade enorme de histórias que utilizem a pandemia como pano de fundo com histórias de casais que ficaram separados, superação de famílias que passaram dificuldade, os heróis da ciência, depoimento de quem viveu a dor da perda e por aí vai.
E não só a indústria do cinema vai aproveitar a onda, o mercado publicitário e as marcas vão usar essa questão em suas campanhas com relatos de histórias reais para inspirar os consumidores e reforçar propósitos. Como já afirmou sabiamente Oscar Wilde: “A vida imita a arte mais do que a arte imita a vida.”