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Depois de um ano atípico, a 34ª Bienal de São Paulo – Faz Escuro Mas Eu Canto (verso do poeta amazonense Thiago de Mello, publicado em 1965) se prepara para o grand finale no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera. Remarcada para 4 de setembro, a edição, que vai até 5 de dezembro, passou por mudanças de rota sem fugir do roteiro que, estabelecido antes da pandemia, curiosamente já previa um evento que se expandisse no tempo e no espaço. Sem perder de foco o objetivo, o cronograma foi adiado, alterado e ganhou uma programação online completa, que permitiu apresentar o trabalho de inúmeros artistas ao longo do ano.

Iniciada em fevereiro do ano passado, sete meses antes da data convencional de uma bienal, Jacopo Crivelli Visconti, curador-geral desta edição, diz que apesar da mudança radical no cronograma, que estava previsto para terminar em dezembro de 2020, não ficou a sensação de interrupção: “Para nós, é um único processo. Adiar a mostra coletiva de setembro do ano passado para setembro deste ano acabou sendo uma maneira de aprofundar questões, ideias e repetições que acredito que todas as bienais têm, mas, por falta de oportunidade ou tempo, não conseguem tornar isso possível. Então, muitas ideias que já estavam colocadas desde o começo só se tornaram mais ricas.”

Com 91 artistas de 39 países , a mostra coletiva acontece simultaneamente à realização de dezenas de exposições individuais em instituições parceiras da Bienal. Jacopo falou ao Glamurama sobre suas expectativas para a mostra, mercado de arte e explicou sobre o processo de curadoria, que, segundo ele, foi orgânico e construído aos poucos. “Nosso papel é, de maneira geral, escolher o tema, o formato da exposição e, coerentemente com isso, em um segundo momento, escolher os artistas e as obras. Para uma bienal, há, em muitos casos, o esforço de produzir obras novas também. Então, os curadores acompanham todo esse processo. Para a 34ª edição, nós decidimos logo no começo trabalhar a partir de uma metodologia e não de um tema, o que deixava totalmente em aberto o formato da exposição”, contou.

Swiss Institute New York/Divulgação

Aberta a interpretações

“Normalmente, nas exposições, o sentido que o curador quer atribuir à obra e à mostra está resumido em textos de parede que têm a vantagem de serem claros e a desvantagem de serem excessivamente claros, como se aquela leitura fosse a única possível. Decidimos, então, encontrar uma maneira dessas possíveis interpretações das obras não estarem apresentadas através dos convencionais textos de parede, mas através de textos que falam não das obras mas do que a gente está chamando de ‘enunciados’, que são elementos que vão aparecer ao longo da exposição e que vêm de fora do mundo da arte. Eles trazem histórias reais e muito potentes que permitem ler as obras de maneiras distintas. Um exemplo são os objetos do Museu Nacional, que passaram por uma tragédia física, mas também intelectual e social que o público poderá ler de maneiras muito diferentes. Ao redor desses objetos, vamos colocar uma série de trabalhos que falam de maneiras muito distintas sobre resistência, resiliência e luta, que são questões que se apresentássemos só através do texto de parede, estaríamos achatando a interpretação. Como se trata de um público muito amplo, para alguns talvez esses enunciados sejam realmente a porta de entrada para a exposição, outros vão passar de maneira mais livre e ainda há aqueles que talvez fiquem mais interessados pelos enunciados do que pelas obras. É difícil imaginar qual vai ser a reação, mas certamente haverá muitas formas de entrada para a exposição.”

Olivia Plender, Hold Hold Fire / Divulgação

Mercado de arte e pandemia

“Houve um momento de parada total, tanto no Brasil quanto no mundo. Uma frente que se abriu nesse período foi aceitar o fato de que as coisas podem acontecer remotamente e acredito que isso seja uma mudança que veio para ficar. Também houve muito esforço de galerias, agentes e colecionadores para ajudar uns aos outros a fim de superar as dificuldades e sobreviver em um momento tão complicado, porque sempre escutamos cifras astronômicas, obras vendidas por valores absurdos, mas a grande maioria dos artistas, na verdade, batalha para conseguir viver do seu trabalho. Não é nada fácil. Então, nesse momento, percebemos diferentes esforços para o setor realmente se ajudar e responder ao que estava acontecendo de uma maneira muito efetiva. Já quando o assunto é compras e vendas, não estou muito ativo nessa área, mas, pelo o que vejo, os resultados desse período foram bastante positivos. Aconteceram feiras online, vendas remotas. Enfim, todo mundo se articulando para que a coisa continue acontecendo apesar de toda a situação que a gente viveu e ainda está vivendo.”

La Cena, José A. Figueroa/ Divulgação

“A arte existe porque a vida não basta” – Ferreira Gullar

“Um dos papéis mais importantes que a arte como um dos braços da cultura tem, e que pra mim é cada vez mais o caminho para que as coisas mudem, é que ela te ensina a pensar e a sentir. E, para mim, saber sentir e saber pensar são os dois caminhos para que a gente realmente tome consciência do mundo, do país, do meio onde vivemos para então, a partir disso, tomar atitudes que vão mudar as coisas. Olhando a longo prazo, do meu ponto de vista, é importante que aqueles que têm o mínimo de interesse em mudar o mundo se engajem ativamente, se não em uma esfera político-social que seja, pelo menos, em uma esfera cultural. Digo isso porque a maioria dos trabalhos dos artistas que participam da Bienal e a maioria dos artistas que produzem arte no Brasil e no mundo, de uma maneira ou de outra, te levam a sair da sua zona de conforto e a se perguntar se o mundo onde estamos vivendo é justo, se o que a gente está fazendo está correto e, para além disso, entender que existem caminhos diferentes do nosso. Em uma bienal, muitas vezes nos deparamos com obras produzidas por pessoas de lugares, contextos e filosofias muito distantes da nossa realidade e que são instrumentos fundamentais para ampliar nosso horizonte.”

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