Em tempos difíceis, ouvir música boa pode ser a cura da alma. Se o remédio então vier, não em doses homeopáticas, mas em um disco inteiro, melhor ainda. Depois de um período de crise criativa, com registros adiados e um volume pequeno de novidades, a produção musical voltou com tudo em 2021 trazendo alguns álbuns excelentes dignos de constarem na lista de clássicos amanhã. Separamos cinco deles, daqueles para ouvir até furar o vinil – sim, todos estão disponíveis em LP, além, claro, nas plataformas de streaming – e lembrar que nem tudo está perdido. A música sobrevive.
Jungle
Loving In Stereo
O terceiro álbum do duo britânico Jungle fez a pista do verão europeu ferver de máscara. Com a liberdade descoberta de lançar o próprio selo, eles se livraram das influências externas, colocaram as considerações comerciais de lado e voltaram às raízes estroboscópicas abusando de corais. “KeepMoving”, o primeiro single, nasceu como um hino, e duas das melhores faixas da discografia do Jungle estão em Loving In Stereo: “Talk About It” e “What D’YouKnowAboutMe?”. Se o punk teve o seu pós-punk, a dance music ressurgiu a partir de 2000 numa espécie de pós-dance. E nessas, o Jungle está para o Joy Division. Ou seriam os Talking Heads? Play n’ dance.
Mdou Moctar
Afrique Victime
Na lista dos melhores do ano do ex-presidente Barack Obama, é o mais recente disco do guitarrista e compositor nigeriano MdouMoctar, o “Jimi Hendrix do Saara”. AfriqueVictime saiu nos Estados Unidos pelo cultuado selo de indie rock Matador e é o trabalho mais bem produzido do guitarhero tuaregue. Destaque para a faixa-título cantada parte em tuaregue, parte em francês, clamando por justiça para todo o continente africano com o verso “se nos calarmos, será nosso fim”. Pedrada.
Nick Cave e Warren Ellis
Carnage
Embora sejam amigos e parceiros de longa data – Ellis é o fiel escudeiro dos Bad Seeds, banda que acompanha Cave desde os anos 1980 – Carnage é o primeiro álbum completo da dupla australiana que há três décadas resulta na química mais intrigante do showbizz. Enquanto Cave escreve brilhantemente, Ellis traduz com liberdade em música e experimentalismo. Assim o disco foi produzido durante o período de lockdown, com oito faixas. Um álbum para tempos incertos, com momentos de beleza em timbres sombrios.
Amaro Freitas
Sankofa
Jovem pianista e compositor pernambucano, Amaro de Freitas saiu da periferia para tornar-se um dos mais aclamados jazzistas da atualidade, tanto no Brasil quanto no exterior – procure playlists do gênero no Spotify: lá estarão Miles, Coltrane, Duke Ellington e Amaro Freitas. Sankofa é o seu terceiro disco, repleto de memórias ancestrais afro-brasileiras misturadas com ritmos nordestinos, como o frevo e o baião. Mais uma vez Freitas vem acompanhado dos músicos Jean Elton (contrabaixo) e Hugo Medeiros (bateria), parceiros desde o seu início de carreira.
Sufjan Stevens e Angelo De Augustine
A Beginner’s Mind
No processo de A Beginner’s Mind, Sufjan Stevens e Angelo De Augustine passaram um mês juntos trancados em uma cabana no interior do estado de Nova Iorque, assistindo a filmes clássicos que inspirariam canções compostas na manhã seguinte – como “Back To Oz”, de O Mundo Fantástico de Oz, ou “Cimmerian Shade”, motivada por O Silêncio dos Inocentes. Mezzo Simon & Garfunkel, eles exploram temas universais em 14 faixas, no ponto exato de intersecção das duas carreiras. Sempre folk, sempre orgânico.
Dado Abreu é editor da PODER, mas antes de ter uma agenda cheia de contatos de CEOs, executivos e políticos, escrevia sobre música. Colaborou para veículos como MTV Brasil, Rolling Stone e revista Trip e do jornalismo cultural guarda a lembrança do dia em que tomou caipirinha com os Beastie Boys na suíte presidencial do Hotel Marina – ‘…quando acendeee ♫♬… ’ – e do chá da tarde que desfrutou na casa do mestre Paulinho da Viola.