Uma avalanche de Memórias – o retorno a uma viagem da infância

Reprodução/Pexels

Eu tive o privilégio de esquiar com minha família desde pequena, por uns 10 anos, numa cidadezinha do Colorado. Quase 30 invernos depois, vivi um turbilhão de sentimentos ao voltar lá com meus filhos e marido. Apaixonados pela série “This is Us”, como eu, entenderão o ir e vir do tempo e das emoções. Mais que isso, ficou para mim a riqueza dos detalhes e o valor das memórias que somos capazes de criar e de guardar. E é com esse coração borbulhando de emoções que compartilho meus últimos dias.

No aeroporto, já começou o pot-pourri de lembranças. Quando pequena, malas e mais malas desfilavam na esteira com um adesivo de zebra para identificar nosso grupo. Mais especificamente um traseiro de uma zebra que olha de relance para trás e que dava o nome à nossa expedição à montanha: Operação Zebra 1, 2, 3 e assim por diante. Só agora descobri que o nome nasceu porque um plano dos meus pais de morar fora não deu certo, deu zebra.

A aproximação de Keystone arranca de mim um suspiro emocionado. Quanto tempo passou e ao mesmo tempo parecia tão pouco. Lembrei de como eu chegava cansada das mais de 20 horas de deslocamento e tinha que sorrir quando meus pais pediam que fôssemos ao mercado e ao aluguel de equipamentos de esqui. Agora, era eu que tentava manter o clima animado, enquanto meus pequenos se arrastavam pedindo pra dormir. Depois das missões cumpridas, o desvendar do apartamento, da vila ao seu redor (inexistente na minha infância) e um olhar deslumbrado para as pistas iluminadas na montanha, guardando o diferencial da estação que funciona à noite.

No primeiro dia de esqui, pareço uma criança que lembra os nomes de cada pista e quer passar logo por todas.

Daniela Graicar

Eu gravei áudios para os meus pais e irmãos, como se precisasse dividir com quem vivera comigo, ao mesmo tempo em que apresentava tudo à minha “nova” família. Ai, o tempo, como é doido o tempo. Eu sei aquele mapa de cabeça como nunca saberei o de nenhuma outra montanha por onde estive nos últimos anos. Como a gente guardava tanta informação? Ao ver as difíceis pistas pretas, me vinha a memória de ganhar um broche do meu pai pela vitória de descê-las. A habilidade até segue a mesma. É como andar de bicicleta. Talvez eu prime mais pela elegância nas curvas rápidas do que pela ousadia de menina. Menos loucuras entre as árvores e os saltos e um olhar mais atento e seguro de quem sabe que cada tombo, hoje, custaria caro ao corpo.

E ficamos juntos, os cinco, surfando a neve enquanto eu navegava nas minhas memórias em silêncio ou tagarelando para registrar. Quando via uma trilha bonita em meio às árvores, era como se ouvisse minha mãe elogiando a beleza do caminho. Quando via uma pista difícil, lembrava dos iniciantes que vinham conosco e tinham que vencer o desafio de qualquer jeito, enquanto a gente gargalhava de chorar. Sim, minha família tem um humor britânico bem ácido e não é pra qualquer um.

Somos uma gente carinhosa e agregadora, mas também gostamos de competir e de debochar um do outro…

Daniela Graicar

Por falar em humor, lembrei muito de quando meu pai montava uma orquestra nos lifts e íamos de dois em dois (hoje os lifts levam cinco ao mesmo tempo) com estrofes ritmadas e irrepetíveis aqui. A soma do alto, grosseiro e bom som da nossa música ecoava pela montanha e morríamos de rir. Por sorte, não havia celular para registro nem qualquer brasileiro pra entender (hoje tampouco encontramos um). Keystone fica a pouco menos de uma hora da charmosa Vail e é lá que muitos brasileiros se encontram. Aliás, repetimos a tradição de ir passar um dia em Vail e amamos. Lembro do frio que passávamos, do quanto eu gostava de passear pela cidade e conhecer cada cantinho. Hoje ela tem mais cantinhos e um significado especial para mim, pois foi o primeiro lugar aonde fui com meu marido, 12 anos atrás. Mais memórias, mais sentimentos.

E meu marido é daqueles que resolvem tudo, carregam tudo e dão um jeito em qualquer perrengue. É como o Jack de This is Us. E eu me sinto a Rebecca, um pouco mais atrapalhada, mas sempre com uma palavra doce para meus big three. Ou seriam meus pais, o Jack e a Bec, e os big three éramos eu e meus dois irmãos. Ah! Não sei. O tempo embaralha, mistura a cada capítulo que a gente vive. 

“Mande fotos, Dani”, “vai visitar a casa em que ficávamos”, “filma o esqui à noite” … A turma das antigas sentia o mesmo carinho, saudade e vontade. Pois eu achei a casa, no último dia! O caminho para a montanha era mais curto do que eu pensava. Ou talvez eu fosse pequena para carregar os esquis no ombro e sentisse mais o peso de cada passo.

“O que ficou, pra mim, é o desejo de curtir o tempo com meu marido e criar memórias boas para meus filhos como eu pude ter.”

Daniela Graicar

Além da alegria de poder dividir com meus pais, hoje, a gratidão de poder ter vivido tudo isso. Que meus filhos Caio, Thomas e Theo tenham esse prazer de lembrar do que vivemos como eu lembro. E que eu possa seguir proporcionando momentos assim. Cada floco de neve, cada cheiro, cada cenário, cada curva, cada conversa, cada cereal matinal, cada foto, cada palavra é uma memória rica do passado e uma semente pro meu legado. Quem está assistindo à temporada 6 de This is Us deve estar se debulhando em lágrimas como eu e buscando, em si, sua real habilidade de fazer a diferença no outro. É só o que eu desejo: fazer a diferença em cada um que amo.

Sair da versão mobile