Elas têm oito perninhas — podendo ser dos mais minúsculos tamanhos até de dimensões assustadoras, maiores do que uma mão — e são o pavor da repórter que escreve essa matéria. Sim, as aranhas são o pior pesadelo de muita gente e, no meu caso, bastava ver um animal da espécie, por menor que fosse, para entrar em pânico ao ponto de esquecer o raciocínio lógico e paralisar diante de uma delas. Até mesmo vê-las em vídeo ou foto causava a necessidade irracional de conferir se o bicho não estava em minhas roupas ou nas roupas de cama. Em um desses episódios, minha mãe revelou que durante a gestação era “perseguida” pelas aranhas, tendo diversos encontros nem um pouco agradáveis. O pior momento, segundo ela, foi quando um dos bichos, escondidos nos lençóis da cama, a picou. Ah-há! Isso poderia ser apenas uma grande – e nem um pouco legal – coincidência ou será que os medos e traumas podem ser passados de pais para filhos geneticamente?
Confirmando as suspeitas, uma pesquisa publicada em 2014 por pesquisadores das Universidades de Medicina de Michigan e de Nova York, nos Estados Unidos, comprovou que bebês podem aprender o que temer nos primeiros dias de vida apenas cheirando o odor de suas mães quando elas estão angustiadas. E não apenas medos “naturais”: se uma mãe experimentou algo antes da gravidez que a fez temer algo específico, seu bebê aprenderá rapidamente a temê-lo também – através de seu odor quando ela sentir medo. Segundo Jacek Debiec, o psiquiatra e neurocientista que liderou a pesquisa, o resultado do estudo “demonstra que os bebês podem aprender com a expressão materna do medo muito cedo na vida. Antes que possam fazer suas próprias experiências, eles basicamente adquirem as experiências de suas mães. Mais importante ainda: essas memórias transmitidas pela mãe são de longa duração, enquanto outros tipos de aprendizado infantil, se não repetidos, somem rapidamente”.
Como herdamos medos
“A relação do cortisol da mãe e do bebê é mútua, uma ligação não só de amor como do comportamento. Ao perceber o odor, o bebê aciona a amígdala lateral, região do cérebro responsável pelo medo, fazendo com que crie células de engrama (memória) de que aquilo não é bom ou coloca em risco”, confirma o neurocientista Fabiano de Abreu. Ele aponta que temos uma memória genética que é passada pelo DNA. Através das histonas, proteínas responsáveis por interagir com o DNA, o espermatozoide carrega para a formação do embrião a memória genética do pai; depois, pelo cordão umbilical, o mesmo processo pela mãe. Por isso, segundo o especialista é sim comum termos “herdado” um pouquinho dos medos, traumas e fobias de nossos genitores.
Já o psicólogo e especialista em Teoria Psicanalítica Lucas Hangai Signorini ressalta que, para além dos vínculos genéticos, muitas coisas podem ser passadas para o bebê na gestação, e até mesmo antes da própria criança chegar a ser concebida, apenas pelo que sentimos, pensamos e desejamos para ela. “Isso acontece simplesmente pelo mesmo motivo que nos faz humanos: nós temos linguagem. Quando eu transmito uma palavra a uma criança, eu transmito sempre uma história, inclusive uma história de medos que eu possa ter”, explica. Para Signorini, isso pode ser visto com a Teoria do Apego – que teve início com as pesquisas do psicanalista inglês John Bowlby a partir da década de 1970 -, que sugere que os modos como as crianças vivem os primeiros cuidados influenciam os modos pelos quais cada um de nós se relacionará (com mais ou menos segurança). “Mas o que cada um de nós vai fazer com com o que recebemos de nossos pais, é completamente singular. Ou seja, os mais velhos jamais estão isentos da responsabilidade do que transmitem aos mais novos, e os mais novos têm a responsabilidade criativa de decidir o que fazem com isso”.
E como evitar?
Mas então, se partimos da certeza de que a ciência comprova que nossos medos podem ser passados, não só psicologicamente, como geneticamente, para as próximas gerações, como evitar que nossos filhos tenham os mesmos medos irracionais que nós? Se pensarmos nas ideias do psicanalista francês René Kaës, tudo aquilo que pertence ao grupo familiar se transmite quando está escondido ou não elaborado. Em termos mais específicos, tudo aquilo que uma geração não simboliza, passa para a geração seguinte, de tal forma que as gerações criam uma aliança por meio de um sofrimento de causa desconhecida. Seguindo esse pensamento, Signorini ressalta que “é interessante também que os pais possam ressignificar seus próprios medos, tirá-los de debaixo do tapete” para que assim eles deixem de ser o fator não-verbalizado. Mas lembra também que quando os medos se tornam paralisantes, a ajuda profissional deve ser o primeiro passo. “Terapia Cognitivo Comportamental, a Terapia de Exposição, psicoterapia com auxílio de realidade virtual são alguns dos que vêm mostrando eficácia nesse sentido”, finaliza o neurocientista Fabiano de Abreu.