“Mãe?”, ele digita no celular ganhado por conta das velas de 10 anos assopradas. E no meio daquela correria de reuniões on-line emendadas umas nas outras, eu corro pra não me fazer faltar: “fala, filhote”, digito acrescentando um “☺️”.
“Tô com dor no joelho de novo. Num dá pra jogar”.
“Filho, será que não dá pra jogar um pouco e ver se aquecendo passa?” Tento eu, esportista que enfrento essa dor de músculos frios que já já vencem o incômodo.
“Mami N to c preguiça. É dor mesmo. Num to consiguindo andar”. O português menino dele de certa forma me consola e me lembra que ele ainda é pequeno.
“Peraí, fi, tô chegando em 5 na quadra e falamos ao vivo”. E eu me teletransporto da cadeira do trabalho em casa para a posição ajoelhada na altura do rosto dele.
Os olhos tensos e marejados encontram em mim aquele acolhimento e conforto. “Mãe, que bom que você veio, mas é que eu tô com vergonha de dizer pro técnico que não posso mesmo correr. Você fala com ele?”. “Claro, mas falamos juntos”.
Lá vamos os dois, de mãos dadas, rumo ao cara alto, do apito, que estava ali do ladinho dele. “Celso, o Thomas não tá bem pra treinar esses dias, os dois joelhos dele doem muito e mesmo cheio de vontade, acho melhor ele descansar”. A vaga no time é disputada, o Thomas sabe disso. É ele quem se arruma todo dia de treino, separa uniforme, caneleira, meião, chuteira que muda dia sim dia não, de acordo com o solado da quadra; ele faz a mochila, pega o lanche, as máscaras pra trocar, a garrafa de água. Mas ele não consegue falar com o técnico sozinho, ainda. Ufa, no fundo isso me consola, eu me sinto um pouco necessária, potente até.
E o técnico responde, passando a mão na cabeleira loirinha dele: “tranquilo, Thomas, eu sei que você é dedicado e deve ser a dor do crescimento”. Ai, a dor do crescimento vira um eco… Dói tanto no joelho dele quanto dói no meu peito.
Quando ganhou o celular, há menos de um mês, fez passar um filme na minha cabeça. Desde os cinco anos dele eu dizia que esse presente seria só aos 10. E esse “só aos 10” chegou num sopro, mais rápido que o das velas do último bolo.
Agora eu tenho que explicar as boas práticas do grupo de WhattsApp da família, o não precisar comentar cada piada do vovô ou curtir cada foto dos primos. Explico que não é pra ficar implicando com o irmão mais velho, que está se preparando pro vestibular e não pode ficar jogando com o outro irmão unha e cutícula no horário de aula.
Ai, essa dor no joelho deve precisar ir ao médico, penso eu. E vou, claro, entre as reuniões emendadas, porque a gente que é mãe sabe abrir espaços mágicos na agenda cuidadosamente formatada ao estilo Tétris.
“Doutor, o técnico disse que pode ser a dor do crescimento. Será que é só isso, mesmo?”, pergunto eu. Ele examina longamente e diz que deve ser sim, mas pede pra acompanhar e não sobrecarregar demais no esporte, dar os intervalos… Eu não escutei mais o que ele disse, pra ser sincera. Eu nem soube reportar ao meu marido as recomendações, porque só me vieram os pensamentos de que ele não cabe mais na maca do pediatra, de que bateu os 1,44m no medidor de altura e, com mais 1 centímetro, já pode ir sozinho nas montanhas-russas mais radicais dos grandes parques.
Aquela escada íngreme do consultório, que eu subia carregando meus gêmeos com o maior cuidado do mundo, já nem faz caber um deles direito.
Entrei no carro com os olhos cheios de água e a cabeça nublada de lembranças.
Ai, a dor do crescimento dói no peito da gente.